Via Ponte -
Policiais militares mataram 10.152 pessoas no estado de São Paulo nos
últimos 19 anos (julho de 1995 a abril 2014) – o equivalente à população
de uma cidade como a paulista São Luiz do Paraitinga, interior do
estado. Levantamento feito pela reportagem da Ponte indica que, em
média, 45 pessoas foram mortas por PMs a cada mês no Estado, num cenário
em que os policiais também são vítimas – cinco foram assassinados por
mês no período.
O mesmo levantamento mostra que a
política de segurança pública vigente nestas duas décadas não conseguiu
baixar o número de civis mortos por policiais, pelo contrário: se nos
cinco primeiros anos a média de mortes por 100 mil habitantes foi de
0,89, nos últimos cinco, chegou a 1,17 – alta de 31,5%, considerando-se
as mortes provocadas por PMs ocorridas apenas durante o horário oficial
de serviço.
Desde 1995 (quando a Secretaria da
Segurança Pública de São Paulo passou a divulgar dados estatísticos
sobre a violência no Estado), foram registradas 8.277 mortes provocadas
por PMs durante o trabalho de policiamento e outros 1.875 casos fora do
serviço oficial – a maior parte em “bico” (serviço extra-corporação) de
segurança particular ou em situações como brigas de trânsito, de bar,
entre vizinhos, crimes passionais e etc.
Os dados são provenientes do Setor de
Inteligência e da Corregedoria da Polícia Militar, órgãos oficiais da
PM. Paradoxalmente, esses dados diferem das estatísticas trimestrais
divulgadas pela Secretaria de Segurança Pública. A diferença observada
decorre do fato de os dados divulgados trimestralmente pela secretaria
omitirem as mortes cometidas fora do expediente. Com essa imprecisão, a
real dimensão sobre os óbitos causados pelos integrantes do braço armado
do Estado fica prejudicada, assim como o aperfeiçoamento das técnicas
policiais.
Nas informações oficiais divulgadas pela
pasta em seu site, os homicídios dolosos cometidos por PMs fora do
trabalho acabam na vala comum das estatísticas dos assassinatos
cometidos por qualquer cidadão. Como grande parte dessas mortes é
cometida com armamento do Estado, muitas vezes em decorrência de
questões relacionadas ao “bico”, acaba ignorado e fora do controle da
sociedade.
Entre 2008 e 2012, a PM paulista matou
9,5 vezes mais do que todas as polícias dos Estados Unidos juntas
durante o trabalho de policiamento.
Pelos dados trimestrais, assassinatos
cometidos por PMs, como a série de 12 mortes em quatro horas durante um
fim de semana de janeiro deste ano em Campinas (99 km de SP), ficaram de
fora das estatísticas sobre a letalidade policial.
As 12 mortes, segundo a Polícia Civil,
foram cometidas por cinco PMs fora do horário de trabalho que queriam
vingar o assassinato de um policial militar. Oficialmente de folga, ele
tentara evitar o roubo de um posto combustível e foi morto pelo ladrão.
5 PMs mortos todos os meses
Outra omissão constatada nas
estatísticas divulgadas trimestralmente pela Secretaria da Segurança
Pública diz respeito ao total de PMs mortos no Estado de São Paulo. A
distorção nesse caso é mais grave.
A pasta se limita a divulgar as mortes
durante o trabalho policial – desde 1995, foram 475. Mas a maior parte
dos assassinatos de policiais militares em atividade na corporação
aconteceu quando eles estavam de folga: foram 684 casos. Ao todo, houve
1.159 mortes de PMs no período, estivessem eles em expediente oficial ou
fora dele.
9,5 vezes mais mortes do que todas as polícias dos EUA
Entre 2008 e 2012, a PM paulista matou
9,5 vezes mais do que todas as polícias dos Estados Unidos juntas
durante o trabalho de policiamento. É o índice por demografia que
escancara essa diferença: enquanto os Estados Unidos registraram 0,63
morte por 100 mil habitantes, em São Paulo o índice foi de 5,87 no
período. Lá, a população de 313 milhões viu 2.003 assassinatos por
policiais (mortes em “homicídios justificados”, mesmo tipo de registro
para o que chamamos de “morte em decorrência policial”), enquanto para
41 milhões de paulistas registraram-se 2.426 mortos.
O índice de São Paulo está mais próximo
do México, marcado por uma guerra contra os cartéis do narcotráfico. Em
2011, o país registrou a taxa de 1,37 mortes por 100 mil habitantes,
ante 1,13 no Estado mais rico do Brasil, São Paulo.
Outro lado
Procurada desde 3 de junho pela
reportagem da Ponte, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo não
se manifestou sobre os índices de mortes cometidas por policiais
militares no Estado, no trabalho e fora dele.
O secretário da Segurança Pública de São
Paulo, Fernando Grella Vieira, não concedeu entrevista sobre o tema,
assim como o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Benedito
Roberto Meira.
5 perguntas feitas à SSP de São Paulo que ficaram sem resposta
1) Qual é o posicionamento do secretário
da Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, sobre o total de mortes
cometidas por PMs no Estado entre junho de 1995 e abril de 2014? Ele
gostaria de conceder entrevista sobre o tema? Para o secretário, a PM de
SP é violenta ou não?
2) Qual é o posicionamento do
comandante-geral da PM, coronel Benedito Meira, sobre o total de mortes
cometidas por PMs no Estado entre junho de 1995 e abril de 2014? Ele
gostaria de conceder uma entrevista sobre o tema? Para o
comandante-geral, a PM de SP é violenta ou não?
3) Por qual motivo a SSP não informa em
suas estatísticas trimestrais quantas pessoas foram mortas por PMs em
homicídios dolosos no trabalho e fora dele?
4) Em quais tópicos estatísticos são incluídos os homicídios dolosos praticados por PMs em serviço e na folga?
5) Para a SSP, a não apresentação desses
dados em suas estatísticas trimestrais sobre a letalidade da PM não
ficam comprometidas?
*Texto de André Caramante.