Via SPressoSP -
Integrantes do MPL já foram intimados a depor cinco vezes, mas fizeram
uma opção “política” por manter o silêncio, entendendo que o inquérito é
ilegal; advogado afirma que interrogatório “já parte da criminalização
de um determinado grupo”.
Integrantes
de movimentos estão sendo intimados a comparecer ao Departamento
Estadual de Investigações Criminais (Deic) para prestar depoimento. O
motivo é o inquérito 01/2013, que de tamanho grau de exceção é o
primeiro e único com esse caráter, como indica o número.
Criticado
por juristas, o “Inquérito Black Bloc”, como ficou conhecido dentro da
Secretaria de Segurança Pública (SSP), afiançadora da investigação, é
uma tentativa de punir, em especial, integrantes do Movimento Passe
Livre (MPL) por uma conduta coletiva, ao invés de apurar os delitos
individuais entendidos como “vandalismo” praticados nas manifestações.
O
SPressoSP teve acesso, com exclusividade, ao interrogatório preparado
pelos investigadores do Deic. 22 integrantes do MPL já foram intimados a
depor cinco vezes. Porém, fizeram uma opção “política” por manter o
silêncio, entendendo que o inquérito é ilegal. Na última terça-feira
(24), o secretário de Segurança Pública, Fernando Grella, afirmou que os
manifestantes serão forçados a depor e ameaçou levá-los ao Deic
forçosamente.
O depoimento prestado por um dos manifestantes
intimado tem uma declaração padrão para todas as perguntas, identificada
na transcrição apenas como: “Não deseja responder”.
Abaixo, algumas perguntas do longo interrogatório:
Já participou de outras manifestações?
Qual seu objetivo nessas manifestações?
Participou de outros eventos que resultaram em quebra-quebra?
Como estava trajado no dia da manifestação?
Você
tem perfil no Facebook ou outro meio similar de comunicação disponível
na internet, redes sociais ou e-mail?Você é um Black Bloc? Por quais
motivos?
Qual o objetivo e propósito dessas pessoas (Black Blocs)?
Como funcionam as manifestações?
Existe algum partido político envolvido ou que custeia o movimento?
Você é filiado a algum partido? Qual?
Existe algum lugar onde os senhores se concentram para deliberar sobre as ações do grupo?
Conhece as pessoas citadas na reportagem da revista Época de 11/11/2013?
Recebeu algum treinamento para confronto com policiais?
Criminalização
Para
o advogado e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa
(IDDD), Hugo Leonardo, o interrogatório “já parte da criminalização de
um determinado grupo”.
“Acho muito grave que sejam perguntas
pessoais, e não atreladas aos fatos que a polícia queira investigar.
Dentro dessa inquirição pessoal, o que chama a minha atenção é que no
limite das questões pessoais, há uma clara abordagem voltada para a vida
política das pessoas.”
O diretor do IDDD alerta que o tipo de
questões elaboradas para o interrogatório não são comuns. “Me causa
estranheza serem perguntas genericamente formuladas para um grupo de
pessoas. Não é comum o rol de perguntas já pré-estabelecido para um
grupo de pessoas”, afirma Leonardo.
O tom político, explícito nas
perguntas, preocupa o professor de Direito Constitucional da PUC-SP,
Pedro Serrano. “Este tipo de perseguição estatal atenta contra o direito
a livre expressão e reunião”, alerta o jurista.
Serrano alertou
para o perigo de haver uma criminalização “de uma conduta política
legítima dos movimentos sociais”. “Nesse sentido, em meu entender, a
simples existência desse inquérito caracteriza constrangimento ilegal a
direitos fundamentais de pessoas.”
Sobre a criminalização,
Leonardo acredita que ela é possível a partir da elaboração de um perfil
que identificaria, segundo a SSP, quem se enquadra na conduta condenada
pela secretaria. “Você tem toda essa pré-concepção já feita, antes das
pessoas se apresentarem, e naturalmente há um sentido ideológico de
buscar enquadrar determinada atitude que possa ser vista como
criminosa.”
Para Serrano, a democracia “só se realiza através da
existência livre de movimentos sociais”. Ainda na linha da politização
do inquérito, Leonardo pergunta: “Qual o viés ideológico que está sendo
perseguido pela investigação?”
Confira abaixo as imagens da transcrição do interrogatório: