Por MK BHADRAKUMAR - Via Indian Punchline -
Gosto do blogueiro Dmitry Orlov, porque ele diz as
coisas claramente, o que me ajuda muito, nessa minha idade, a ver através do fog da guerra na Ucrânia. Pena, só, que
ele escreva tão raramente...
Em recente postado em seu blog [já
traduzido, distribuído ontem, hoje em redecastorphoto], Orlov lista dez sinais indisfarçáveis, incontestáveis, de mudança em solo
no leste da Ucrânia, em termos militares, que todos veriam, se forças russas
tivessem realmente invadido a região, como a narrativa ocidental insiste em
repetir que teria acontecido, desde a semana passada, a partir da cúpula de
Minsk na 2ª-feira, que se realizou entre bem-vindos sinais de que alguma paz começa a ser possível.
É impossível discordar de Dmitry, quando diz que nenhum daqueles sinais é
visível no mundo real, pelo menos por enquanto. O que impõe uma grande
pergunta: por que a narrativa ‘da
invasão’, tão absolutamente sem provas, está sendo introduzida de modo tão rude
pelos EUA, em todos os discursos que tenham a ver com a situação da Ucrânia?
Parece-me que os EUA fazem deliberadamente o que estão fazendo, porque, na
‘mudança de regime’ na Ucrânia, o presidente Barack Obama está liderando da frente,
não da retaguarda como na Líbia ou Síria. Disso, não tenho dúvidas.
Quem duvide, passe os olhos pelo discurso da embaixadora Samantha Power dos EUA
no Conselho de Segurança da ONU na 5ª-feira, quando
tirou as luvas e sentou a pua. Até faz lembrar o famoso discurso do embaixador Adlai
Stevenson dos EUA, na reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU dia
25/10/1962, nas sombras da crise dos mísseis em Cuba.
As trocas de farpas entre Power e o embaixador Vitaly Churkin parecem-se cada
dia mais com as de Stevenson com o embaixador russo Valerian Zorin. É, sem
tirar nem pôr, cena clássica de Guerra Fria. De diferente, claro, que as falas
de Stevenson eram elegantes, bem redigidas, bem lidas, bem pensadas,
inteligentes, para acalmar os ânimos; e Power fala aos guinchos, aos pulos, em tom de
provocação, intolerante, como se estivesse nas trincheiras da extinta
Iugoslávia.
Mas voltando à Ucrânia: o que explica a narrativa explosiva que o ‘ocidente’
está impondo? De fato, realmente não mostraram nem um fiapo de prova de que a
tal ‘invasão’ russa teria acontecido. O que nos garante que, como no caso do
conto do infeliz avião da Malaysian Airline abatido a tiros no leste da
Ucrânia, toda a conversa sobre ‘invasão’ não seja, outra vez, mais subterfúgios?
Claramente, ninguém no ocidente quer voltar, nem agora nem nunca, a falar sobre
o avião malaio, sobretudo em Washington.
A parte mais perturbadora é que, ao lado da narrativa sobre a ‘invasão’ russa
na Ucrânia, há movimentação frenética em solo, do lado da Organização do
Tratado do Atlântico Norte, OTAN. Pior: para criar, num momento como o atual... uma
Força Expedicionária da OTAN.
A intrusiva narrativa ocidental sobre a ‘invasão’ russa na Ucrânia, da qual não
há provas, e que Dmitry Orlov demonstra que é completamente inverossímil, será
de fato apenas ‘sessão de esquenta’ antes da reunião da OTAN que acontecerá em
Gales, Grã-Bretanha, na 5ª-feira próxima? Pode muito bem ser. Considerem o
seguinte.
Ao longo da semana passada, a liderança pró-ocidente em Kiev começou a clamar
que dessem status de membro da OTAN à Ucrânia. O secretário-geral da aliança Anders
Fogh Rasmussen respondeu imediatamente, como se estivesse à espera, na 6ª-feira:
“Respeitamos integralmente as decisões da Ucrânia sobre a política de segurança
da Ucrânia e o pedido de afiliação à aliança. Não interferirei nas discussões
políticas na Ucrânia, mas permitam-me lembrá-los da decisão que a OTAN tomou na
cúpula de Bucareste em 2008, segundo a qual a Ucrânia receberá status de
membro, se, claro, a Ucrânia assim o desejar e a Ucrânia satisfizer os
necessários critérios.”
O que Rasmussen se esqueceu de registrar aí foi que, na cúpula de Bucareste, o
governo de George W. Bush fazia de tudo para promover a expansão da OTAN e
incluir a Ucrânia, mas a empreitada foi completamente barrada pela Alemanha; Berlin
disse que não; que provocação pela aliança ocidental despacharia as relações
entre Europa e Rússia para o fundo do poço.
Será que a Alemanha manterá a mesma posição, ante a narrativa ocidental
pilotada de Washington, segundo a qual a Rússia teria ‘invadido’ a Ucrânia? Saberemos
no próximo fim de semana, depois da cúpula da OTAN em Gales. O presidente da Ucrânia
Petro Poroshenko foi convidado para a reunião da OTAN em Gales. (Mas a Rússia foi
acintosamente excluída, mais uma vez, como tem sido prática desde meados dos
anos 1990s.)
Há crescentes sinais de que a resistência alemã contra a associação da Ucrânia
à OTAN está-se diluindo, numa guerra diplomática de atrito sustentado movida
pelo governo Obama. A Grã-Bretanha, como sempre, estará obedecendo ao roteiro
que o Pentágono passou-lhe, na cúpula no ninho de Gales, onde, como país
anfitrião, tem força especial.
Enquanto isso, Rasmussen revelou que a aliança planeja instalar novas bases no
leste da Europa. A ideia é que tropas de países OTAN como Canada façam estadias
nessas bases, de vários meses de cada vez, de modo que Bruxelas não apenas
economizará em custos de infraestrutura, como também poderá dizer que não está
por ali em caráter permanente (o que seria violar os termos do ato assinado por
OTAN-Rússia, em 1997). Cerca de mil soldados canadenses estão partindo para a
Europa, com esse destino.
A Ucrânia forma um padrão na política doméstica canadense, por causa do ‘banco
de votos’ da comunidade de emigrados. Ottawa, pois, está assumindo papel
protagonista na Ucrânia. HMCS Toronto foi deslocado para o Mar Negro. A Infantaria de Alberta
participou de exercícios militares na Polônia, com soldados dos EUA. Depois
disso, unidades de infantaria de Ontario serviram na Polônia. Quatro jatos F-18
canadenses que participavam de ‘treinamento’ na Romênia, foram movidos para a
Lituânia (onde há uma das maiores bases aéreas do período soviético).
Nem é preciso dizer que a retórica russofóbica ajudaria Washington a fazer
pressão sobre a União Europeia (que está reunida hoje em Bruxelas) e sobre a OTAN
para que ajam no sentido de isolar Moscou, o que se alinharia bem com a
estratégia geral de contenção, dos EUA.
Não surpreende, portanto, que nos últimos quatro dias o presidente russo tenha
falado por telefone com a chanceler alemã Angela
Merkel, com o primeiro-ministro da Itália Matteo Renzi, com o presidente da Comissão Europeia José Manuel
Barroso e com o presidente da França François
Hollande. O assunto de todas essas conversas foi a reunião
entre Putin e Poroshenko em Minsk, Bielorrússia, na 2ª-feira passada.
Interessante: todas essas conversas (exceto com Hollande) aconteceram por
iniciativa europeia. Depois de conversar com os europeus, Putin falou por
telefone com o presidente da Bielorrússia Alexander
Lukashenko no sábado, sobre reunião em Minsk, do Grupo de
Contato sobre a Ucrânia (que compreende a Organização de Segurança e
Coordenação da Europa, a Rússia e representantes do leste da Ucrânia) e o
governo ucraniano. Esperemos, agora, o contramovimento de Obama sobre o
tabuleiro de xadrez. Semana que vem Obama visitará a Estônia e não viajaria até
aquele vizinho mais próximo dos russos, de mãos vazias.