CARLOS CHAGAS -
Marina Silva continua favorita nas eleições presidenciais por conta
da imagem que construiu anos a fio, como alguém que enfrentou o poder
econômico, defendeu a reforma agrária, a preservação das florestas, o
desenvolvimento sustentável, a cogestão, a participação dos empregados
no lucro das empresas, o imposto sobre grandes fortunas e a
multiplicação do salário mínimo. Essencialmente porque integrou-se aos
anseios do cidadão comum e aos reclamos da massa desfavorecida que a
identifica como alguém igual à maioria. Ainda mais por ter nascido e
sido criada no meio do mato, passado fome, aprendido a ler e escrever
aos dezesseis anos e adquirido doenças que até hoje a atormentam, além
de ser negra.
Trata-se de um patrimônio para ninguém botar defeito, mas a um mês
das eleições, depois de haver empolgado o país inteiro com sua meteórica
ascensão, eis que Marina começa a recuar e a fazer média com as elites
de sempre. Talvez imagine, como o Lula imaginou depois de perder por
três vezes as eleições, que só conquistaria o poder compondo-se com as
classes mais favorecidas. A candidata arrisca-se a cometer o mesmo
erro, desligando-se de suas origens e integrando-se aos mesmos de
sempre. Joga suas características fundamentais, que poderá perder, sem a
contrapartida de ganhar qualidades que nunca possuiu. Basta notar a
simpatia com que é recebida pelos sociais-democratas e a chamada grande
imprensa.
Acaba de fazer as pazes com o agronegócio e com os usineiros,
plantadores de cana. Nada contra eles num sistema como o que vivemos,
não fosse a evidência de que rejeitam cada um dos propósitos antes
enunciados por Marina. Não querem ouvir falar de reforma agrária, muito
menos de preservação das florestas. Podem estar certos, dentro dos
conceitos do capitalismo selvagem que nos assola, mas exultaram ao
ouvir da candidata a negativa de suas convicções passadas. Preferem
Aécio, talvez Dilma, mas ficaram felizes ao perceber que exorcizaram um
fantasma. Porque vão pegar Marina na palavra, caso ela confirme na
corrida a pole-position hoje conquistada. Poderão criar problemas, como
têm criado há séculos, desde que algum presidente da República tentou
voltar-se para as necessidades populares. Foram os donos da terra que
derrubaram Getúlio Vargas e João Goulart.
Mas tem mais, nesse recuo que os pronunciamentos de Marina tem
revelado. Ela acaba de posicionar-se pela autonomia do Banco Central, a
entrega aos bancos privados do controle do mercado de crédito, a
minimização do pré-sal, como também contra a energia nuclear, o
casamento civil dos homossexuais, assim como em favor do aumento nos
preços da gasolina e da energia elétrica. Até pela inclusão de Fernando
Henrique Cardoso no seu futuro governo. Que programa é esse batendo de
frente com suas anteriores promessas sociais?
No texto distribuído à imprensa no fim de semana, como programa da
candidata, nada de distribuição da terra aos que dela necessitam, de
imposto sobre grandes fortunas, de participação dos empregados no lucro
das empresas, de cogestão e de duplicação do salário mínimo. Podemos
estar errados, tomara que estejamos, mas por aí Marina, Aécio e Dilma
são peças do mesmo tabuleiro. Durou pouco a ilusão…