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Restaurante na cidade de Belém projeta partidas do Mundial de futebol na barreira que simboliza a segregação na Cisjordânia e o conflito israelo-palestino. |
Do alto de seus oito metros de comprimento, o muro simboliza a
segregação. Ao separar os palestinos da cidade sagrada de Belém do resto
da Cisjordânia, tornou-se um dos emblemas da ocupação israelense dos
territórios árabes. Além de servir de tela para artistas como Banksy
expressarem sua indignação e ativistas rabiscarem suas palavras de
ordem, a população palestina encontrou outra maneira de se apropriar
dessa barreira imposta por Israel há mais de dez anos: projetar nela as
partidas da Copa do Mundo, evento esportivo que congrega 32 nações
diferentes e cujo slogan oficial — “juntos num só ritmo” — é mais uma
provocação à construção do paredão.
A iniciativa partiu de um dono de restaurante aficionado por futebol,
Joseph Hasboun. A casa de carnes que gerencia, “The Wall Steak House”,
estampa logo no nome a paisagem a que seus clientes têm direito ao se
acomodar no estabelecimento. Do outro lado da rua, lá está ele, o muro.
Desde o dia 12 de junho, quando o Brasil inaugurou o Mundial contra a
Croácia, a parede tem também outra função e serve de telão para a
transmissão dos jogos da Copa.
“É algo como uma resistência civil. Eles podem colocar esse muro, mas não podem nos impedir de fazer isso”, relata o advogado palestino Ihab Jaser, 33, ao veículo local The Jewish Journal,
enquanto assistia ao empate entre Alemanha e Gana. “É um lugar bonito, é
ao ar livre e tem algum significado”, completa Hasboun, o dono do
restaurante.
A transmissão ao vivo dos duelos futebolísticos já se tornou uma
tradição, começou em 2010 no Mundial da África do Sul e virou ponto de
encontro para grupos de jovens palestinos — e também alguns turistas de
passagem por Belém — vibrarem com os grandes craques do futebol. De lá
para cá, uma mudança. Para atender à demanda, Hasboun investiu em uma
tela maior e agora são quase 20 metros quadrados emprestados pelo muro à
nobre causa.
A “reforma”, entretanto, desagradou parte da clientela. Isto porque,
para bancar o upgrade, Hasboun teve que cobrir com tinta branca a
pintura de um camelo gigante feita
pelo artista de rua espanhol Sam3. Questionado sobre por que não pintou
a tela alguns metros para o lado, Hasboun tem uma defesa técnica: “O
equipamento de projeção já estava instalado ali”.
Baixa audiência
Embora a Copa no Brasil esteja presenteando o público com bons jogos e
muitos gols — para a alegria dos donos de bares, que torcem por mesas
cheias e copos esvaziados — a frequência no “The Wall Steak House” tem
sido abaixo da esperada. Desde o sequestro dos adolescentes israelenses,
há duas semanas, a Cisjordânia virou palco de uma força-tarefa do
Exército vizinho. Durante a caçada pelos autores do rapto, cinco
palestinos já foram mortos e centenas detidos, enquanto cidades foram
sitiadas pelas forças israelenses, controlando a entrada e saída de
moradores e conduzindo buscas indiscriminadamente na casa das pessoas.
O dono do restaurante disse que pelo menos dois grupos de clientes, habitués da
casa e fãs de futebol, decidiram não comparecer à transmissão da peleja
com medo de serem parados na rua, enquadrados e revistados por
militares israelenses.
“Se eles continuarem a entrar todas as noites em nossas casas, pode haver outra intifada”, comenta Jaser ao The Jewish Journal,
referindo-se aos movimentos palestinos de resistência contra a ocupação
israelense. Foi, inclusive, após o último desses levantes, a 2ª
Intifada, que teve início em 2000, que Israel se pôs a erguer o muro,
considerado uma “cerca de segurança” para proteger seus cidadãos dos
ataques palestinos.
Símbolo da divisão e do acirramento do conflito israelo-palestino, o
“Muro da Vergonha”, como também é conhecida a barreira, recebeu
recentemente outra entidade “supranacional”. Além de servir de suporte
para a transmissão dos jogos da Copa, suas paredes também encararam a paradigmática visita do papa Francisco.
Distante apenas algumas quadras da fachada do restaurante-sede das
projeções, o líder da Igreja Católica saltou do papa-móvel e encostou na
parede para rezar e pedir por paz no Oriente Médio.