31.1.19

FARDADOS E PAISANOS

JOÃO FRANZIN -


A eleição de Bolsonaro levou de volta os militares ao governo. O presidente é oficial da reserva e tem como vice um general também da reserva. Diversos ministérios, secretarias e postos importantes estão ocupados por oficiais egressos das Forças Armadas.

Nós, da geração que combateu a ditadura, inevitavelmente, sentimos desconforto com essa presença central em um governo que foi eleito com mais de 57 milhões de votos.

Eu, que servi sob o governo Geisel (em Tiro de Guerra, é verdade), passei anos querendo distância dos fardados. No TG, nada de útil nos foi ensinado, não havia espírito de caserna e o que nos restava fazer era manusear um mosquetão da Primeira Guerra e ouvir do sargento pregação anticomunista.

Não nos ensinaram cuidar de primeiros-socorros, a manusear armas mais compatíveis, a fazer algum tipo de trabalho social, nada – condicionamento físico era ordem unida num pátio asfaltado e abrasador. O Tiro de Guerra, sendo assim, só atrapalhou minha vida de estudante e de trabalhador (estudava à noite, trabalhava de dia).

Ignorante e tosco, o sargento tentava nos ensinar a prezar os fardados e a menosprezar paisanos, como se essa fosse uma divisão natural da sociedade.

O tempo passou. Mais de 20 anos depois, visitei praia no Guarujá guardada pelo Exército. Entrei no pátio com meu Fiat Oggi ostentando um enorme adesivo de Brizola no vidro traseiro. Logo, um grupo de praças veio falar comigo. Era o governo de FHC, a quem qualificavam de vende-Pátria. Já Brizola, pelo viés nacionalista, para minha surpresa, era bem visto pelos fardados.

E cá estamos em 2019. Na verdade, a recente ascensão militar começou já com Temer, por meio da nomeação do general Etchegoyen, de família militar e cujo avô ora apoiou, ora combateu Getúlio.

A crise política brasileira e as seguidas denúncias de roubalheira nos fizeram voltar a uma espécie de clima pré-64. Nesses últimos anos, enquanto a política descambava para a sarjeta, subia o apreço popular às Forças Armadas. A eleição de Bolsonaro é o ápice desse movimento. Mas o fato é que os militares estão aí e, ante um presidente de baixa qualificação, eles tendem a crescer dentro do governo.

É bom ou ruim? Depende para que lado penderão. Se for para o lado do capital financeiro e subordinação ao Departamento de Estado, será péssimo. No entanto, se cumprirem o que reza a Constituição, a vida seguirá e a própria política cuidará de arranjar a carga.

O que não podemos é voltar a um tempo em que fardados e paisanos se estranhavam ou se viam como inimigos. Os abusos da ditadura, na minha opinião, não devem ser o norte da relação sociedade-Forças Armadas. Levo em conta o que me orientou Therezinha Zerbini a respeito da Anistia: carregar o passado, mas cuidar de construir o futuro nacional.

Setores da intelectualidade mantêm fortes, e justificadas, restrições aos fardados. Eu penso, no entanto, que não há Nação que se erga sem Forças Armadas. A história de Portugal, lá nas origens, reverencia o mítico guerreiro Viriato. O Brasil, com a vinda de D. João VI, foi o único país das Américas a se constituir já tendo Forças Armadas organizadas - nos Estados Unidos, os nortistas precisaram contratar um oficial francês e o general Lee do cinema era, na verdade, um fazendeiro que mal sabia atirar de espingarda.

Tiradentes, o maior herói nacional, era Alferes. Não foi o que foi por ser militar, e sim pelo ideal libertário que carregava. E o grande Rondon era Marechal; Prestes era Capitão; tivemos o tenentismo etc. Claro que não podemos esquecer gente como Filinto Muller, Garrastazu e outros do mesmo naipe.

Há quem diga que já não há militares nacionalistas. Pode ser, mas, se cumprirem a Constituição, não haverá como agir diferente.

Reza o Artigo 142: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

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João Franzin é jornalista e diretor da Agência de Comunicação Sindical