29.11.16

POESIAS: É PRECISO AGIR (PABLO NERUDA); NÃO SE MATE (CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

CULTURA -

É PRECISO AGIR (Pablo Neruda)
Pois bem, chegaram outros:
exímios, medidores, chilenos meditativos
que fizeram casas úmidas em que me criei
e levantaram a bandeira chilena
naquele frio para que gelasse,
naquele vento para que vivesse,
em plena chuva para que chorasse.
Encheu-se o mundo de carabineiros,
apareceram as ferrarias,
os guarda-chuvas
foram as novas aves regionais:
meu pai deu-me uma capa
do seu invicto poncho de Castela
e até chegaram livros
à Fronteira, como se chamou
aquele capítulo que não escrevi
mas escreveram para mim.
Os araucanos tornaram-se raiz!
Foram lhes tirando folhas
até que viraram só esqueleto
de raça ou árvore lá destituída,
e não foi tanto o sofrimento antigo
embora lutassem vertiginosamente,
como pedras, como sacos, como anjos,
e eis que agora eles, os honorários,
sentiram que o chão lhes faltava,
a terra lhes fugia aos pés:
já havia reinado o sangue em Arauco,
chegou o reino do roubo
e éramos nós os ladrões.
Perdão se quando quero /contar minha vida
é terra o que conto.
Esta é a terra.
Cresce em teu sangue
e cresces.
Se se apaga em teu sangue
te apagas.



NÃO SE MATE (Carlos Drummond de Andrade)
Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.


(Poema do livro Reunião – 10 livros de poesia. São Paulo: José Olympio, 1969. p. 26)