28.4.16

O ESMAGAMENTO DA CIDADANIA POR CONTA DE DÍVIDA INEXISTENTE

JOSÉ CARLOS DE ASSIS -


O que está acontecendo com a dívida dos Estados é mais uma evidência da completa degeneração do sistema político e financeiro do país. Temos uma situação de dívida inexistente que se tornou um torniquete sobre as finanças estaduais e, através dela, dos milhões de funcionários públicos das áreas de saúde, de educação, de segurança e de outros serviços estaduais, ameaçados de não receber salários, vencimentos e aposentadorias. No Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, os governos estão em colapso, sem solução à vista.

Talvez lhe tenha ocorrido que a observação acima de que as dívidas estaduais são inexistentes é um figura de linguagem. Não. É uma verdade econômica e contábil. Essa dívida se originou do pagamento pelo Governo federal das dívidas estaduais que estavam rolando no over dos bancos privados, a juros astronômicos, em 1997. Com que dinheiro o Governo federal pagou essa dívida por valor de face, o que em si mesmo foi um tremendo benefício aos banqueiros? Pagou, naturalmente, com o dinheiro do contribuinte brasileiro.

Ora, com exceção de dois Estados, os cidadãos ou contribuintes de todos os outros Estados brasileiros contribuíram para a quitação dessa dívida. Não existe contribuinte federal e contribuinte estadual; são as mesmas pessoas. A dívida, portanto, está paga desde o momento em que o Governo federal deu o grande prêmio da quitação dos títulos aos bancos privados e a assumiu por erro contábil, quando deveria cancelá-la. Sua cobrança da mesma dívida aos Estados é abusiva. Os contribuintes não podem pagar duas vezes pela mesma dívida.

Talvez lhe ocorra perguntar: por que algo tão óbvio não foi considerado pelas administrações estaduais nas negociações com o Governo federal, cujo interesse maior era privatizar os bancos comerciais estaduais, como ode fato fizeram, em detrimento dos Estados? A resposta simples é: absoluta ignorância. Sucessivos governantes estaduais não se deram conta do absurdo. No início, porque o peso da dívida era relativamente leve uma vez que não incorporava os juros compostos. Em algum momento, como agora, se deram conta de que a dívida os quebrou, e foram à Justiça atrás de juros simples.

Aí entrou o outro lado da ignorância. Relatei aqui uma vez que o ex-ministro do Supremo, o insuperável Sepúlveda Pertence, comentou comigo a propósito de causas financeiras complexas diante das quais os membros do STM eram “ignorantes específicos”. Agora, o que faz o Supremo diante da ação em que os Estados querem uma coisa simples, reduzir os juros compostos a juros simples? Isso os aliviaria bastante, e está muito longe da solução que proponho, isto é, o cancelamento atual e o estorno da dívida.

Ignorantes específicos, os ministros do Supremo não se atreveram a julgar a causa. Remeteram-na para eventual acordo entre o Governo federal e os Estados, no prazo de dois meses. Talvez se tenham impressionado com a defesa de uma advogada segundo a qual a vitória dos Estados levaria a um blecaute do Governo federal. Santa ignorância. Essa advogada, analfabeta em economia, assim como alguns ministros, ignora que o Governo federal não pode ter blecaute. Pode, sim, emitir dívida pública à vontade. Entre fevereiro e março, a emissão líquida de dívida federal foi de R$ 52 bilhões, sem contrapartida alguma de investimento ou gasto na economia real. Isso pode ser repetido com a maior tranquilidade para resolver a dívida dos Estados.

*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ.