29.4.16

A CONTA DE REALE JR SOBRE A ECONOMIA É UM BESTEIROL

JOSÉ CARLOS DE ASSIS -


Um comentarista de artigo anterior reclamou que eu estava escrevendo com o fígado. É verdade. O grau de estupidez que está prevalecendo no debate político de verniz econômico tira qualquer um do sério. Ontem vi o advogado Miguel Reale Júnior sustentar no Senado que o crime de “desequilíbrio fiscal” da Presidenta Dilma levou a economia à recessão e ao aprofundamento do desemprego. Sua ênfase foi impressionante. Estabeleceu uma relação de causa e efeito entre déficit fiscal e contração da economia de uma forma aparentemente irrespondível.

Pois bem, isso não passa de uma grossa imbecilidade. Déficits fiscais produzem crescimento, não contração. O risco econômico do déficit é a inflação, que normalmente só ocorre em economias em forte expansão. Aqui no Brasil não é bem assim porque o Banco Central dos banqueiros privados faz uma política monetária tão estúpida de sustentação de altas taxas de juros e contração da liquidez que anula qualquer efeito expansivo do déficit fiscal. De qualquer modo, o déficit é sempre expansionista porque põe mais recursos na economia do que retira dela. Por isso minha diferença em relação ao Governo Dilma não é que ela tenha feito déficit, mas que só o tenha feito tardiamente.

Claro que pouco importa para o curso do processo de impeachment que Reale Jr fale uma arrematada idiotice do ponto de vista econômico. Estamos diante de um jogo de cartas marcadas. Nessa altura só o anjo Gabriel com sua espada flamejante, pousando com suas longas asas na sala verde do Congresso, poderia salvar Dilma do impeachment. E aqui é bom deixar claro que não é crime de responsabilidade, mas as profundas ambiguidades de um governo eleito pela esquerda e que governou para a direita a razão última desse desfecho.

Aproveito para esclarecer outro ponto de meu artigo anterior que foi contestado. Alguém disse que o New Deal nos EUA não foi lá aquele sucesso pois só com a Segunda Guerra o desemprego realmente baixou. Isso é uma arrematada bobagem. O plano foi lançado em 1933, com grandes gastos orçamentários deficitários e imediato sucesso, até que, em 36 e 37, o Congresso obrigou o Governo a cortar o déficit. Como era de se esperar, o crescimento recuou. Mas isso bastou para que Roosevelt metesse o pé no acelerador de novo, o que fez a economia responder imediatamente.

O argumento de que o desemprego americano só acabou por causa da guerra é outra baboseira. A política keynesiana propõe gastos públicos deficitários, mas não os qualifica. Esses gastos podem ser tanto civis quanto militares, pois o importante é que levem ao aumento da demanda efetiva e daí ao investimento. Nos anos 80, o grande introdutor do neoliberalismo no mundo, Ronald Reagan, pôs a economia americana no rum o da recuperação mediante gigantescos déficits orçamentários militares.

Alguns leitores não muito familiarizados com economia, mas que me honram com seus comentários, se esqueceram de levar em conta o que mostrei sobre a economia norte-americana na atual crise: déficits gigantescos anuais que garantiram a queda do desemprego a partir de 2009, começando por 1,4 trilhão de dólares e só caindo abaixo de 1 trilhão dois anos atrás. E também mencionei a performance brasileira de 2009 e 2010, quando fizemos investimentos deficitários de 180 bilhões de reais via BNDES, garantindo um crescimento econômico de 7,5% no segundo ano. Isso é suficiente, ou é preciso desenhar?

Finalmente, um leitor disse que só o dinheiro garante a produção. Está enganado. O que garante a produção é o trabalho. Mobilizar trabalho ocioso com dinheiro oriundo de déficit orçamentário é a forma mais racional de promover crescimento e emprego.

*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ.