Por ALBERTO DINES - Via Observatório da Imprensa -
A semana começou alvoroçada pelo desabafo do ex-presidente Lula contra o PT, a presidente Dilma e contra ele mesmo. Na sexta-feira (26/6), um acesso de autoestima da direção nacional do PT anulou todos os efeitos positivos do surpreendente depoimento e ainda exibiu as contradições e equívocos embutidos em confissões e arrependimentos professados sem fé, sem dor e sem alma, apenas por conveniência.
Ao acusar seus companheiros de ter perdido parte do sonho e da
utopia, e só pensar em cargos e eleições, Lula lançou um inaudito
desafio não apenas aos correligionários, mas extensivo aos militantes de
outras siglas – “queremos salvar a nossa pele ou criar um novo
projeto?”
O que parecia um penitência pública capaz de reanimar o idealismo
cidadão, converteu-se instantaneamente num jogo de cena, algo farsesco,
leviano, oportunista.
A burocracia partidária contra a qual Leon Trostky se insurgiu com
tanta veemência há quase 100 anos ganhou nova parada. Evaporaram-se
magicamente as imagens e lembranças da ousada proposta do então ministro
Tarso Genro em setembro de 2005 para a refundação do PT como reação ao
vexame produzido pelo mensalão.
Penitência malograda
Então como agora, a obsessão pelo triunfo eleitoral a qualquer preço
impôs-se ao discurso idealista. Mais uma vez a distopia estraçalha a
utopia que a produziu. A diferença entre os dois gestos expiatórios
reside no número dos apoiantes: o movimento saneador iniciado por Tarso
Genro foi engrossado e vitalizado pela presença de inúmeros fundadores
do partido incomodados com os descaminhos adotados pelas lideranças
“pragmáticas” empenhadas no projeto de poder. Iludido pela força
galvanizadora da sua proposta e crente no seu potencial carismático,
Lula resolveu tocar sozinho a cruzada reformista. E continua sozinho.
Não contava com os insondáveis meandros da condição humana, com a
onipotência e a capacidade deletéria do coletivo. Admitir erros não é
próprio das almas pequenas, é desafio talhado para as grandes. Lula não
exagerou na retórica, falou com o coração e foi até ponderado nas
conclusões. O que levou a direção do partido a recuar neste momento de
grandeza foi a sua estatura insignificante.
Não percebeu que este mea-culpa colocaria novamente o PT numa
proeminência moral que tanto o PSDB como o PMDB dificilmente poderiam
acompanhar. O PMDB não é um partido, é um aglomerado de apetites, e o
PSDB uma federação de candidaturas, cada vez mais distanciado do projeto
original socialdemocrata, intrinsicamente reformista, transparente,
laico e, pelo visto, incapaz de acompanhar os avanços que o
ex-presidente FHC sugere.
Numa sociedade dominada pela má-fé e delações premiadas, a malograda
penitência iniciada pelo ex-presidente Lula e abortada por seus
companheiros compõe um quadro ainda mais desolador. Quando a necessidade
da autocrítica é sufocada pelos caprichos ególatras da autoestima, o
abismo fica mais visível. E inevitável.



