Por RICARDO KOTSCHO - Via balaio do Kotscho -
Que é necessário e urgente fazer um ajuste fiscal para colocar as
contas do governo em ordem, estamos todos de acordo. Não tem mesmo outro
jeito. Ninguém pode eternamente gastar mais do que arrecada, nem a
padaria da esquina, muito menos um país.
Por isso, reuniões e mais reuniões se sucedem freneticamente em
Brasília para garantir a aprovação no Congresso Nacional do pacote
fiscal embrulhado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, encomendado
pelo governo Dilma-2. O objetivo é economizar R$ 18 bilhões no
orçamento. E quem vai pagar esta conta?
Tem três maneiras de se fazer isso: cortar despesas, aumentar a
arrecadação ou fazer as duas coisas ao mesmo tempo. O governo brasileiro
optou pela primeira alternativa. Vai tirar dinheiro dos benefícios
sociais: abono salarial, seguro-desemprego, pensão por morte e
seguro-defeso para pescadores artesanais.
Nos Estados Unidos, o governo Obama, que não pode ser chamado de
bolivariano, fez exatamente o contrário: aumentou a taxação dos lucros
dos bancos e das grandes fortunas para aliviar encargos da classe média
que vive do seu trabalho.
Aqui nem se chegou a pensar nisso. É um assunto tabu tanto nos
partidos do governo como nos da oposição, que não apresentaram até agora
nenhuma alternativa para a proposta de Levy, que assume o papel de
Robin Hood ao avesso para combater a inflação e fazer o país voltar a
crescer.
Só para se ter uma ideia dos valores envolvidos neste pacote: o valor
total que o país vai economizar é R$ 2 bilhões menor do que o lucro de
um único banco, o Itaú, que no ano passado embolsou R$ 20 bilhões, boa
parte graças aos juros que o próprio governo lhe paga.
Nos últimos cinco anos, o Brasil gastou mais de R$ 1 trilhão (sim,
escrevi certo, é trilhão mesmo) em pagamento de juros da dívida interna.
O Itaú, como sabemos, é o principal concorrente do Bradesco, o banco
aonde foi recrutado o ministro Levy.
Por que o governo, por exemplo, ainda não foi atrás dos R$ 19,4
bilhões que 6,6 mil brasileiros depositaram em contas secretas no HSBC
da Suíça, outro assunto blindado na mídia?
Vários outros países mais abonados do que o nosso já fizeram isso e
recuperaram boa parte do dinheiro de origem suspeita que não costuma
pagar impostos. Não sabemos ainda nem quem são os donos destas contas.
E, por falar em sonegação fiscal, outro tema proibido, será que o
ministro Levy já conversou com os procuradores da Fazenda Nacional sobre
o dinheiro que o país deixa de arrecadar por falta de fiscalização e da
punição dos crimes nesta área?
Estudo produzido pelo sindicato da categoria, conforme denúncia feita na noite desta segunda-feira no Jornal da Record News (ver link),
prevê que, em 2015, o cartel dos sonegadores deixará de pagar à União
mais de R$ 500 bilhões, ou seja, mais de 25 vezes o valor que o governo
pretende economizar cortando benefícios sociais.
Diante destes números, enquanto o governo negocia com o PMDB apoio ao
pacote fiscal em troca de cargos no segundo escalão, fica fácil
responder à pergunta feita no título desta coluna.
Por que o pacote não tira de bancos e das grandes fortunas?
Muito simples: são exatamente estes os doadores que, em grande parte,
financiam as campanhas eleitorais de todos os partidos, desde sempre.
Isso explica também porque o novo presidente da Câmara, Eduardo
Cunha, defende com tanto ardor o financiamento privado de campanhas, e
o ministro Gilmar Mendes não devolve o processo em que ampla maioria do
Supremo Tribunal Federal (6 a 1) já decidiu contra este poderoso
criatório de corrupção em todas as latitudes da vida nacional.
O resto é pura hipocrisia.
Vida que segue.