MARCELO MÁRIO DE MELO -
É natural se
discordar de algum pensador - proposta, formulação, texto, conjunto das idéias
– e se argumentar em contrário, recorrendo a todo o arsenal da contundência
crítica. Em polêmicas presenciais, seria conveniente seguir a recomendação de
Aristóteles, no sentido de que, antes de rebater, o debatedor fizesse uma
síntese do que disse o oponente e tivesse dele a confirmação de que se tratava
daquilo. Com isto seria evitado o caminho falseador de se combater a
caricatura, e não o original.
Quando se tratam de
críticas a coisas escritas, são providências primárias certificar-se da
autenticidade do que é questionado e explicitar a fonte. Porque existem rolando
na internet textos falsamente atribuídos, objetos de louvação ou rejeição
ensadecidas.
Este é o caso de um
tal Decálogo de Lenin, que circulou pelo Orkut e cavalga no Facebook, sendo
repositório dos mais enraivecidos comentários, com tintas do anticomunismo
virulento dos anos 50. Li-o “respeitavelmente” publicado no espaço de um
conceituado artista pernambucano, cujas composições não me cansava de curtir,
pela sua qualidade e beleza. Fiz o meu comentário, informando tratar-se de uma
falsificação, mas não fui considerado. Pelo contrário. Houve uma reiteração da
canalhice. Então, bloqueei esse inaceitável amigo, grande na arte e ralo no
caráter.
O agravante é que o
promotor da falsificação exerce o ofício da crítica, faz resenhas, publica
artigos. No fundo, exerce uma ação educativa, como todos exercemos. E imaginem
o absurdo de um educador que professa assentado num documento falso e rejeita
cegamente um alerta quanto a isto. É como um jornalista que escreve matéria
fundado na mentira. Ferindo, além de códigos de ética profissionais, o código
penal, no que se refere a falsidade ideológica e prevaricação. Indo ao mais
elementar, ferindo a moral comum e oitavo mandamento:não levantar falso
testemunho.
O mais grotesco é
que os comentários indignados ao falso texto atribuído a Lenin se voltam aos
usos da desfarçatez, da manipulação, da mentira e da falsificação, ali
recomendados. São os drogados-traficantes denunciando o uso da droga que
consomem e traficam.
No que se refere a
Lenin, quem quiser exercer a crítica a seus textos verdadeiros, que recorra às
suas obras autênticas, em publicações autorizadas anteriores ao fim da União
Soviética, e posteriores, decorrentes do acesso a novos arquivos.
Quanto aos tópicos
Lenin, Verdade e Mentira, a propaganda leninista se fundamenta nas campanhas de
denúncia em cima de realidades concretas que oprimam o povo, o que é ressaltado
por Challes Domenach em A propaganda política, e se encontra detalhado na obra
de Lenin Que fazer.
Em A doença infantil
do esquerdismo no comunismo, Lenin fala em “mentir e ocultar a verdade”,
tratando de regras de clandestinidade na luta contra a autocracia. Em Um Passo
adiante, dois atrás , respondendo a companheiros que queriam evitar o debate
público de erros cometidos, afirma que “o benefício trazido pela discussão
pública dos nosso erros é superior ao aproveitamento que os nossos inimigos possam
fazer das migalhas da nossa autocrítica (citação de memória).
Respeito o direito
democrático de expressão dos mais ferrenhos anticomunistas, fascistas,
nazistas, fanáticos e fundamentalistas de A a Z. Afinal de contas, lutei contra
uma ditadura e rejeito o stalinismo, por isto. Mas é preciso qualificar o
debate, indicando as fontes das citações e contornando a canalhice.
[Fontes: V.I.Lenin
obras completas, 55 vol, , tracucción al espanol, Editorial Progresso, Muscú
1986; A propaganda política, Charles Domenach)