3.8.16

A CANALHICE DO FALSO DECÁLOGO DE LENIN

MARCELO MÁRIO DE MELO -

É natural se discordar de algum pensador - proposta, formulação, texto, conjunto das idéias – e se argumentar em contrário, recorrendo a todo o arsenal da contundência crítica. Em polêmicas presenciais, seria conveniente seguir a recomendação de Aristóteles, no sentido de que, antes de rebater, o debatedor fizesse uma síntese do que disse o oponente e tivesse dele a confirmação de que se tratava daquilo. Com isto seria evitado o caminho falseador de se combater a caricatura, e não o original.

Quando se tratam de críticas a coisas escritas, são providências primárias certificar-se da autenticidade do que é questionado e explicitar a fonte. Porque existem rolando na internet textos falsamente atribuídos, objetos de louvação ou rejeição ensadecidas.

Este é o caso de um tal Decálogo de Lenin, que circulou pelo Orkut e cavalga no Facebook, sendo repositório dos mais enraivecidos comentários, com tintas do anticomunismo virulento dos anos 50. Li-o “respeitavelmente” publicado no espaço de um conceituado artista pernambucano, cujas composições não me cansava de curtir, pela sua qualidade e beleza. Fiz o meu comentário, informando tratar-se de uma falsificação, mas não fui considerado. Pelo contrário. Houve uma reiteração da canalhice. Então, bloqueei esse inaceitável amigo, grande na arte e ralo no caráter.

O agravante é que o promotor da falsificação exerce o ofício da crítica, faz resenhas, publica artigos. No fundo, exerce uma ação educativa, como todos exercemos. E imaginem o absurdo de um educador que professa assentado num documento falso e rejeita cegamente um alerta quanto a isto. É como um jornalista que escreve matéria fundado na mentira. Ferindo, além de códigos de ética profissionais, o código penal, no que se refere a falsidade ideológica e prevaricação. Indo ao mais elementar, ferindo a moral comum e oitavo mandamento:não levantar falso testemunho.

O mais grotesco é que os comentários indignados ao falso texto atribuído a Lenin se voltam aos usos da desfarçatez, da manipulação, da mentira e da falsificação, ali recomendados. São os drogados-traficantes denunciando o uso da droga que consomem e traficam.

No que se refere a Lenin, quem quiser exercer a crítica a seus textos verdadeiros, que recorra às suas obras autênticas, em publicações autorizadas anteriores ao fim da União Soviética, e posteriores, decorrentes do acesso a novos arquivos.

Quanto aos tópicos Lenin, Verdade e Mentira, a propaganda leninista se fundamenta nas campanhas de denúncia em cima de realidades concretas que oprimam o povo, o que é ressaltado por Challes Domenach em A propaganda política, e se encontra detalhado na obra de Lenin Que fazer.

Em A doença infantil do esquerdismo no comunismo, Lenin fala em “mentir e ocultar a verdade”, tratando de regras de clandestinidade na luta contra a autocracia. Em Um Passo adiante, dois atrás , respondendo a companheiros que queriam evitar o debate público de erros cometidos, afirma que “o benefício trazido pela discussão pública dos nosso erros é superior ao aproveitamento que os nossos inimigos possam fazer das migalhas da nossa autocrítica (citação de memória).

Respeito o direito democrático de expressão dos mais ferrenhos anticomunistas, fascistas, nazistas, fanáticos e fundamentalistas de A a Z. Afinal de contas, lutei contra uma ditadura e rejeito o stalinismo, por isto. Mas é preciso qualificar o debate, indicando as fontes das citações e contornando a canalhice.

[Fontes: V.I.Lenin obras completas, 55 vol, , tracucción al espanol, Editorial Progresso, Muscú 1986; A propaganda política, Charles Domenach)