29.12.17

MORO E A JUSTIÇA DE CÁDI PELA MANIPULAÇÃO DA MÍDIA

JOSÉ CARLOS DE ASSIS -


Num site magnífico em que trata das origens da sociologia do Direito, Max Weber estabelece a distinção entre a justiça racional, assegurada por uma burocracia organizada e hierarquizada, e a justiça subjetiva, que denomina justiça do Cádi, da qual se aproxima a justiça consuetudinária dos anglo-americanos. As raízes da primeira é o Direito Romano, e as da segunda, um corpo jurídico fechado que, na Inglaterra e nos Estados Unidos, tem resistido às tentativas de racionalização do processo legal.

Uma síntese dos dois sistemas se encontra num trecho de um ensaio de Weber sobre o tema, o qual dá margem, ao final, a uma tremenda ambigüidade se nos ativermos à situação brasileira jurídica atual, a partir da Lava Jato. Vejamos (Burocracia e Direito, in Ensaios de Sociologia, pág. 256):

“A posição de todas as correntes ´democráticas`, no sentido de correntes que minimizariam a ´autoridade´, é necessariamente ambígua. A ‘igualdade perante a lei’ e a exigência de garantias legais contra a arbitrariedade requerem uma ´objetividade´ de administração formal e racional, em oposição à discrição pessoalmente livre, que vem da ´graça´ do velho domínio patrimonial. Se, porém, um ethos – para não falarmos de instintos – se apossa das massas sobre qualquer questão individual, ele postula a justiça substantiva orientada para algum exemplo e pessoa concretas; e esse ethos inevitavelmente entrará em choque com o formalismo e a ´objetividade’ fria e condicionada a regras da administração burocrática. Por esse motivo, o ethos deve rejeitar emocionalmente o que a razão exige.”

Se traduzirmos isso numa linguagem menos técnica, podemos entender que, em democracias, são fundamentais as garantias formais contra arbitrariedades do julgador (vejam o projeto de lei contra abuso de autoridade relatado no Senado pelo senador Roberto Requião em 2017) traduzidas numa administração formal e racional do Direito, em oposição a decisões subjetivas. Entretanto, quando as massas se apossam de alguma motivação contra determinada situação ou pessoa, esse sentimento se choca contra a objetividade e o formalismo da lei condicionados a regras de administração burocrática. Por esse motivo, o sentimento das massas rejeita emocionalmente o que a razão exige.

Essa parte grifada é essencial para compreendermos a situação brasileira depois da Lava Jato. E a compreensão transcende o texto de Weber. Ele reconhece a ambigüidade do sistema jurídico numa democracia quando o sentimento das massas se levanta contra a rigidez das regras jurídicas, praticamente forçando o julgador a se curvar a esse sentimento da opinião pública. Porém, não explica a situação quando é o próprio juiz que levanta a opinião pública contra a pessoa do réu, antes do julgamento, que é o caso da justiça de Curitiba. Disso resulta, naturalmente, uma tremenda insegurança jurídica para o cidadão, colocado ao talante do julgador discricionário.

O que é mais extravagante, no caso do juiz Moro, é que ele assume publicamente como estratégia de combate à corrupção a mobilização da mídia contra os suspeitos. Nesse caso, o cidadão, culpado ou inocente, fica sem defesa frente ao juiz, aos procuradores, à mídia e a própria opinião pública, contando exclusivamente com o advogado - o qual, no caso de Lula, teve também sua privacidade violada. Esse sistema tem as mesmas características de uma ditadura. Obviamente, diante do barulho que faz a imprensa, terá sempre apoio da opinião pública, na medida da escalada de manipulação da imprensa. Trata-se de um sistema tão iníquo que a grande imprensa, o juiz e os procuradores se insurgiram contra a lei de abuso de autoridade, assumindo, na prática, que para a justiça que defendem é essencial o abuso de autoridade, como aconteceu nas universidades de Santa Catarina e Belo Horizonte.