21.7.17

A DESTRUIÇÃO DAS GARANTIAS TRABALHISTAS NO 'ADMIRÁVEL MUNDO NOVO' TEM NOME: UBERIZAÇÃO

DANIEL MAZOLA -

João Cláudio Pitillo, Pesquisador e Professor de História da UERJ e Antonio Jorge Couto,  membro do Fórum Nacional dos Taxistas e sindicalista.
O fenômeno conhecido como uberização vem se multiplicando cada vez mais nesse país de crises permanentes e do vale tudo econômico e político. Para compreendermos a uberização nossa reportagem conversou com dois especialistas no tema: o pesquisador e professor de História da UERJ, João Cláudio Pitillo e com o membro do Fórum Nacional dos Taxistas e dirigente sindical, Antonio Jorge Couto, o Lampião.

Primeiro é necessários entendermos que Uberização é um conceito usado para designar um novo tipo de economia, perversa, no qual você tem pares oferecendo um serviço ou um produto, uma relação de troca, mas, no meio, você tem um intermediário extraindo valor dessas partes e não estabelecendo uma relação de trabalho formal com elas. Segundo o Professor João Cláudio Pitillo, “os donos das plataformas ou APPs detêm, em média, 25% a 30% do valor dos serviços prestados, sem um contrato que assegure direitos trabalhistas. Através de um marketing engenhoso, companhias bilionárias do Silicon Valley (EUA) apresentam para seus consumidores uma imagem positiva e utópica que é extremamente tentadora nestes tempos econômicos tenebrosos”.

O Uber diz que faz parte de um novo fenômeno, o da “economia compartilhada”— termo que conjura a imagem de pessoas alegres e bem-dispostas ajudando umas às outras, todas ganhando uma parcela justa no processo. Mas a ideia de que o Uber se enquadra nesse conceito de “economia compartilhada” é desonesta, pois o aplicativo nada mais é do que uma empresa extremamente agressiva tentando de tudo para maximizar seus lucros. “No Rio de Janeiro o Uber começou a operar fortemente a partir da Copa do Mundo em 2014. A ideia do negócio surgiu via uma empresa de alta tecnologia e acredita-se que exista participação da NSA (Agência de Segurança dos EUA). O Uber alega ser apenas uma empresa de TI que facilita a vida das pessoas, ligando um ponto a outro, mas na verdade operam um meganegócio na área de transportes. O Tribunal europeu recentemente reconheceu que eles exercem uma atividade de transporte. É importante destacar o que está por trás disso: o interesse de mapear os hábitos econômicos e comportamento das pessoas, assim depois eles podem vender pacotes de informações para projetos comerciais de fidelização dos clientes. O Uber tem acesso aos dados dos cartões de créditos”, explica o pesquisador João Cláudio Pitillo.

A economia digital hoje é o novo campo da flexibilização do trabalho, leia-se precarização. Olhando apenas para o Brasil: motoristas, motofretistas, caminhoneiros, esteticistas, operários da construção civil, trabalhadores do setor de limpeza, babás, assim como advogados, médicos, professores, entre outros, contam com aplicativos que possibilitam a uberização de seu trabalho. O mercado de trabalho em geral agora é permeado por um espaço virtual de compra e venda de trabalho, conhecido como marketplace. Trata-se de um universo virtual extremamente propício para a transformação de trabalhadores em microemprendedores, assim como de trabalhadores em trabalhadores amadores.

“No Brasil o Uber foi favorecido pelo ambiente de golpe de estado em 2014, chegaram desrespeitando nossas leis. Nesse contexto, o que de mais grave conseguimos identificar é a questão da precarização da mão de obra. As empresas de aplicativos piratas como Uber não tem ativos nenhum no mercado formal, não contratam mínguem, e numa economia fragilizada como a nossa eles estão aproveitando e ampliando os lucros. Existem várias leis que proíbem isso aqui no Brasil, mas nosso judiciário ao invés de aplicar a lei passou a interpreta-la, fazendo com que os taxistas fiquem desamparados. Agora qualquer um que precise complementar sua renda, ou esteja desempregado, está liberado para usar um automóvel e atuar na área de transportes. Esse indivíduo que precisa sobreviver via Uber na selva do capitalismo, está no centro de uma tragédia chamada ‘mão de obra precarizada’. Além disso, esse modelo só trás mais atrasos e transtornos, levando mais automóveis e engarrafamentos para as vias, aumenta a poluição, diminui a mobilidade urbana, e aumentando o número de acidentes. É obvio que transporte público não pode ser feito em carro particular”, frisa João Cláudio Pitillo.

Didaticamente, Antonio Jorge, taxista profissional há 33 anos, sindicalista e membro do Fórum Nacional dos Taxistas, explicou: “não tem outra forma de garantir a sobrevivência, o trabalhador é obrigado a trabalhar para empresários (capitalistas), ou por conta própria. As empresas que organizam a produção e põem seus produtos no mercado são propriedades privadas no sistema capitalista. Existem 110 mil carros particulares rodando na cidade do Rio de Janeiro através de aplicativos tipo Uber, estão todos ilegais. Essas pessoas não são monitoradas, treinadas e não pagam impostos. Por isso, temos tantos casos de acidentes e até estupros envolvendo esses motoristas. Muitos desses carros estão com busca e apreensão, sem passar pela vistoria obrigatória. As milícias têm migrado em grande número para mais essa categoria ilegal de transportes. O rendimento dos taxistas caiu em média 50%. Muitos taxistas não vão mais trocar seus carros, e a frota vai envelhecer, isso é péssimo para os usuários, vai cair em qualidade e segurança”.

Entre as muitas ilegalidades do Uber, vale destacar que a legislação não autoriza a iniciativa privada a taxar preços ou tarifas, isso é de exclusividade do setor público. Antonio Jorge também afirmou que, “Igrejas estão incentivando fieis desempregados a trabalhar com Uber como alternativa, assim podem sobreviver e levar o dízimo. Diversos países do mundo, principalmente europeus, estão banindo esse modelo Uber. Aqui no Rio de Janeiro o processo de Uberização veio na esteira do PMDB em 2014, o deputado e filho do ex-governador Sergio Cabral, quando veio de uma de suas viagens a Nova York falou que o Uber era uma maravilha e que deveria ser implantado por aqui. Tristeza e tragédia!”.

O fato é que em meio a tantas mudanças sucessivas e permanentes crises do capitalismo, que ocorrem em ritmo cada vez mais acelerado, o trabalhador, como não poderia deixar de ser, vem pagando o pato. E com as novas mudanças anti-trabalhador, denominada "reforma trabalhista", passaremos a viver um capitalismo sem direito do trabalho, com mais terceirizações e uberização.

Precisamos enfrentar isso, ou seremos todos escravizados novamente. Aceitar ou rebelar-se, simples assim!