JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
A Colômbia nos tem ensinado nesses tempos de muitas guerras que, ademais de gestos emotivos de extrema solidariedade humana, como no caso de Chapecó, é possível seguir o caminho de um novo pacto social e político nacional pela incorporação na ordem política de uma guerrilha, as FARC, com mais de 70 anos de duração. Não será este também um exemplo colombiano de reconciliação nacional por meio da restituição da credibilidade e da confiança entre antigos antagonistas entregues durante décadas a uma guerra fratricida?
Nenhum cientista político responsável nega o risco iminente de uma convulsão social no Brasil, de conseqüências trágicas. Aparentemente não há saída, exceto violência. O Governo já a usa contra manifestantes como no último dia 29 em Brasília. Extremistas de ambos os lados, da direita e da esquerda, prometem mais pancadaria para este domingo. No caso da Lava Jato, o facciosismo é evidente: há um esforço para por atrás das grades um ex-presidente da República, não obstante a falta de provas após longa investigação.
O Congresso Nacional está paralisado: cercados de escândalos por todos os lados, os deputados que tentam reagir aos excessos de um projeto de lei forjado como se de iniciativa popular são acusados de corporativistas e de manobras para votar na calada da noite – não obstante a exposição permanente, para acompanhamento público, das sessões da Câmara. Já os senadores se preparam para votar um projeto de cartas marcadas, a PEC-55, que liquida por 20 anos o setor público e a economia do país sob o pretexto do ajuste fiscal.
É o momento de seguir o duplo exemplo colombiano, o de Chapecó e o do acordo com as FARC. Ou construímos um pacto nacional, que abranja o econômico, o social e o político, ou naufragamos na mais profunda anarquia. É preciso encontrar pontos de convergência entre as lideranças políticas para salvar o interesse comum. O primeiro passo é limpar a área dos excessos criados pela imprensa escandalosa: algum jurista, preferivelmente de direita, terá de dizer, com base em leis em vigor, que caixa dois nunca foi crime no país. É uma contravenção.
Espera-se que o mesmo jurista esclareça que a introdução no Código Penal da tipificação do crime de caixa dois, e sua penalização, não significam anistia. Significam apenas que a jurisprudência brasileira dos tribunais não poderá condenar por analogia, estendendo a crimes tipificados – por exemplo, lavagem de dinheiro ou corrupção passiva – as condenações que não podem ser feitas para o caixa dois. Pensem em Chico Buarque sob a ditadura: “Você que inventou o pecado (do caixa dois) esqueceu-se de inventar o perdão”.
É claro que o esclarecimento jurídico e legal desse impasse não limpará a área para o pacto. É preciso ir a fundo na reconciliação. O passo talvez mais importante depende do ex-presidente Lula, que deverá anunciar um compromisso firme e inarredável de não se candidatar às próximas eleições presidenciais, sejam diretas, sejam indiretas. Sem isso, o país continuará rachado entre um passado questionado e um futuro de expectativas de quase impossível realização. Em contrapartida, o Congresso deverá encontrar os meios legais para isentar Lula de qualquer tipo de perseguição judicial no futuro.
O passo seguinte será a rejeição pelo Senado da infame PEC-55. Nenhuma iniciativa legal parecida foi adotada no mundo, e por motivos tão inconsistentes. É totalmente falso que estamos numa crise fiscal sem saída, o que justificaria os excessos da PEC. O Brasil tem quase 400 bilhões de dólares em reservas, para um PIB de cerca de 2 trilhões: estamos muito longe de sermos um país quebrado, como insiste em fazer crero gerente de banco Henrique Meirelles. Sua jogada é clara: lançar esses 400 bilhões nas carteiras dos especuladores financeiros enquanto o resto do país vá desmanchando.
A PEC-55, se aprovada, rachará ainda mais o país. A esmagadora maioria da sociedade civil está contra ela. Está nas mãos dos senadores evitar a tragédia. Naturalmente, com a queda da PEC, cai seu formulador Meirelles. Caindo Meirelles, cai Temer. Por certo que entraremos numa crise aguda, mas dessa fornalha surgirá algo saudável: um novo presidente da República capaz de promover a reconciliação política e social, e que promova também, pela primeira vez em nossa história, um pacto social e político ancorado nos movimentos de massa. O fato é que nesses próximos dias atravessaremos o Rubicão!