MARCELO MÁRIO DE MELO -
Agradeço a Temer, porque tinha programado a minha festa funeral para
os 102 anos, mas diante da sua assunção ao poder e a meirelização da
economia nacional, programada para pelo menos vinte anos, mediante
emendas à Constituição de 1988, aflorou a idéia de ampliar também meu
prazo de vida por mais vinte, indo até os 122. Como decorrência, parti
para cuidar ao máximo da saúde, a fim de chegar lá nas melhores
condições possíveis. Agradeço a Temer, também, por isto.
Agradeço a Temer, porque ele, insistindo no mofado slogan Ordem e
Progresso, que malversa a nossa bandeira nacional, me fez retirar do baú
de algumas décadas a bandeira brasileira com o slogan Justiça e
Liberdade, em sintonia com o espírito democrático-popular que
moderadamente bafejou a Constituição de 1988.
Agradeço a Temer
porque ele, no seu primeiro pronunciamento de interino, levantando
hipóteses sobre o seu governo, afirmou: “se houver erros,
concerta-los-ei!”, numa restauração arqueológica da mesóclise,
caracterizando no nosso céu de anil a metáfora de um governo
mesoclítico.
Agradeço a Temer, porque, com esse arroubo
gramático-pré-histórico, ele também me fez tirar do baú dos anos 1980, o
personagem Di-lo-ão, O Gramático, síntese do conservadorismo
linguístico agora se espraiando nas saletas da política.
Agradeço
a Temer porque ele, com profunda capacidade de convencimento, conseguiu
demonstrar, irrefutavelmente, a petistas, esquerdistas e governistas
iludidos com falsas alianças, que ocupar o governo não é tomar o
poder, e que base aliada não é a mesma coisa que base alinhada.
Agradeço a Temer por afrontar e desafiar a capacidade de resposta do
proletariado, dos pobres e lascados de vida, da classe média de cinto
apertado, dos pequenos e médios proprietários e empreendedores,
provando-lhes a verdade irrefutável de que as formas de mobilização de
cúpula, as meras mobilizações de militante, as articulações puramente
eleitorais, sem irradiação nas bases da sociedade, não têm força para
deter o rolo compressor da classe dominante, de quem ele agora é
timoneiro.
Agradeço a Temer que, escrevendo certo por linhas tortas, deixou claro, muito claro, que opostos não são supostos.
Agradeço a Temer, porque ele, vestindo o figurino cinzento do Governo
Dutra, trás à memória as estocadas satíricas do comunista-humorista
Aparycio Torelly, o Barão de Itararé, revigorando o humor nos apesares.
Agradeço a Temer, que alimenta a seara do humor nacional, pois em cada conjuntura ruim, sempre se faz uma piada melhor.
Agradeço a Temer por estimular a resistência democrática a beber de
novo na fonte da poesia de Carlos Drummond de Andrade, que indicava nos
anos 40 do século passado:
“O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.