Por PAULO MOREIRA LEITE - Via blog do autor -
Dias depois da reação da grande atriz no Faustão, repórter da Globo News enfrenta uma video-cassetada na Casa Branca.
A cena mais importante da visita de Dilma Rousseff aos
Estados Unidos ocorreu na entrevista coletiva na Casa Branca. Você sabe
do que se trata. Sorteada para fazer uma pergunta, a repórter Sandra
Coutinho, da Globo News, colocou uma questão que iria deixar Dilma e o
governo brasileiro em posição delicada. Depois de dizer, como se fosse
um fato objetivo sabido de todos, que o governo brasileiro se vê como um
líder mundial, enquanto Washington encara o país de forma menor, como
uma liderança regional, Sandra Coutinho perguntou: “Como conciliar essas
duas visões?”
Dilma não teve tempo de responder. Melhor pessoa entre os presentes para
esclarecer como Washington “encara o país,” Barack Obama saiu na frente
e corrigiu a pergunta: “Nós vemos o Brasil não como uma potência
regional, mas como uma potência global. Se você pensar (…) no G-20, o
Brasil é um voz importante ali. As negociações que vão acontecer em
Paris, sobre as mudanças climáticas, só podem ter sucesso com o Brasil
como líder-chave. Os anúncios feitos hoje sobre energia renovável são
indicativos da liderança do Brasil”, disse.
Obama ainda acrescentou: “O Brasil é um grande ator global e eu disse
para a presidente Dilma na noite passada que os Estados Unidos, por mais
poderosos que nós sejamos, e por mais interessados que estejamos em
resolver uma série de problemas internacionais, reconhecemos que não
podemos fazer isso sozinhos”.
A reação de Obama tem importância pelo conteúdo e pela forma. Indo
além do jornalismo, no qual todo repórter tem o direito de colocar a
questão que achar pertinente para toda autoridade que lhe dá essa
chance, é possível discutir ideias.
No complicado contexto atravessado pelo país, a pergunta ajudava a
rebaixar o governo brasileiro aos olhos do governo norte-americano,
constrangendo Dilma perante seu anfitrião e perante a audiência da
emissora no Brasil.
Apresentada como um simples dado objetivo, um elemento da paisagem assim
como as colunas da Casa Branca, a teoria de que o governo brasileiro
tem uma visão errada sobre si mesmo — e sobre o lugar do país no mundo,
portanto — embute uma crítica política conhecida à atual política
externa brasileira, alimentada por analistas e formuladores ligados ao
PSDB e a círculos conservadores da capital americana. Mas está longe de
ser uma unanimidade em Washington, onde, ao contrário do que se pensa no
Brasil, não vigora o Pensamento Único.
Ao dizer que o governo se acha mais do que realmente é na visão dos EUA,
a pergunta sugere que nossa diplomacia precisa reconhecer seu lugar,
vamos dizer assim. Precisa achar um caminho para “conciliar” a visão de
brasileiros e norte-americanos sobre nosso papel no mundo, pois do jeito
que está não pode ficar. Você entendeu o que está por trás disso,
certo?
Mas não só. Quando um repórter da Folha — exercendo o sagrado direito de
perguntar — colocou uma questão que remetia a Lava Jato, o que também
iria atingir a presidente brasileira, Obama respondeu de forma exemplar
que não iria se manifestar sobre um assunto que aguarda decisão
judicial. Uma reação adequada, num país que inspirou Alexis de
Tocqueville a definir a separação de poderes como a base da democracia
moderna, não é mesmo?
A reação de Obama tem outro elemento importante — a luz dos
antecedentes. Em 1962, quando João Goulart se recusou a participar do
bloqueio a Cuba, a CIA e a Casa Branca passaram a considerar o Brasil
como “o mais urgente problema da América Latina”, recorda o historiador
Muniz Bandeira.
Poucas pessoas sabiam, naquela época, mas John Kennedy havia acertado,
nos bastidores, apoio ao movimento militar que derrubou Goulart em março
de 1964. Mesmo em publico, Kennedy não deixava de manifestar sua
hostilidade em relação ao governo brasileiro, fazendo declarações que
não tinham “precedente na história das relações internacionais,” como
recorda Muniz Bandeira num livro indispensável, “O governo João
Goulart.”
Referindo-se a um presidente em pleno exercício de um mandato legítimo,
Kennedy dizia — em entrevistas — que considerava a situação do Brasil
das “mais penosas” por causa da inflação de 5% ao mês, o que anulava a
“ajuda americana e aumentava a instabilidade política.” Kennedy cobrava e
reclamava, sem rodeios: “o Brasil deve tomar providências. Não há nada
que os Estados Unidos possam fazer em benefício do povo brasileiro
enquanto a situação monetária e fiscal for tão instável.”
Com sua atitude, 63 anos depois, Obama decepcionou os adversários do
governo — que aguardavam um sinal, com graus possíveis de sutileza, de
desagrado com Dilma e seu governo.
O sinal não veio e essa é a notícia da visita.
O sinal não veio e essa é a notícia da visita.
E é curioso notar que há algo semelhante entre a reação de Obama na
coletiva da Casa Branca e a resposta firme, educada, mas muito
pertinente, de Marieta Severo a um comentário de Faustão no programa de
domingo.
Ouvindo uma versão tropical do discurso típico de um país “que não conhece o seu lugar,” Marieta reagiu: “Estamos numa crise mas vamos sair dela.” Sem nenhuma agressividade, mas com a firmeza de quem não tem disposição para servir de escada para discursos apocalípticos sobre o Brasil, a atriz prosseguiu: “eu sou sempre otimista”. O país caminhou muito. Pra mim, tem uma coisa muito importante: a inclusão social, a luta contra a desigualdade. A gente teve muito isso nos últimos anos.”
Ouvindo uma versão tropical do discurso típico de um país “que não conhece o seu lugar,” Marieta reagiu: “Estamos numa crise mas vamos sair dela.” Sem nenhuma agressividade, mas com a firmeza de quem não tem disposição para servir de escada para discursos apocalípticos sobre o Brasil, a atriz prosseguiu: “eu sou sempre otimista”. O país caminhou muito. Pra mim, tem uma coisa muito importante: a inclusão social, a luta contra a desigualdade. A gente teve muito isso nos últimos anos.”
Pode-se dizer, assim, que nos últimos dias ocorreu uma situação
fantástica e inesperada. De pontos tão distantes do planeta e do
universo das ideias políticas de nosso tempo, personalidades tão
diferentes e mesmo opostas pela visão de futuro, Barack Obama e Marieta
Severo mandaram dizer que discordam do discurso de fim de mundo que se
tornou a melodia base da Globo, alimentando tanto programas de
entretenimento como o jornalismo.
Engraçado, não?



