JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
A probabilidade de que um cultor do neoliberalismo radical, fechado ideologicamente em conceitos primários de economia, chegasse a uma posição relevante no comando do setor público brasileiro era infinitamente remota. Como a probabilidade total de qualquer evento é o produto de probabilidades interdependentes que o constituem, a probabilidade de que Paulo Guedes fosse ministro plenipotenciário da economia dependia da probabilidade de que ele se tornasse o guru econômico de Jair Bolsonaro, e de que Bolsonaro ganhasse as eleições.
Eram eventos improváveis. Para que Paulo Guedes se tornasse guru de Bolsonaro era necessário que Bolsonaro fosse um confessado ignorante em economia e que alienasse a ele todas as decisões econômicas que viesse a tomar. A promessa está sendo cumprida com absoluto rigor. Através da legitimidade de Bolsonaro, um operador financeiro de conhecimentos limitados em economia, exceto o breviário neoliberal, tornou-se vice-rei do Brasil, com carta branca para liquidar as próprias bases do Estado nacional.
Tudo muito improvável, mas tudo muito real. As primeiras iniciativas do governo Guedes em pouco mais de um mês, a maioria de caráter contracionista, anunciam a continuação da queda do PIB neste ano, dando prosseguimento ao desastre de 8% de contração acumulada nos anos de Temer. A taxa de desemprego e de subemprego, da ordem de 27% da população em idade ativa, chega a limites extremos, empurrando para o desespero e a marginalidade praticamente um terço da população brasileira.
Neste governo não existe ainda, e provavelmente passarão meses para que exista, o anúncio sequer de construção de uma estrada, de uma universidade, de uma escola. O que existe é o propósito infame de destruir ativos públicos em favor de picaretas do setor privado – como os da Vale de FHC, que se revelaram indiferentes a novos investimentos, sequer a investimentos de segurança. O programa Guedes/Bolsonaro, o único em que os dois insistem, é de destruição de empreendimentos nacionais em favor do capital financeiro, sobretudo norte-americano.
As outras prioridades deste Governo não são na economia, mas no campo moral. Era de se esperar que, nas condições sociais em que nos encontramos, houvesse uma palavra, uma única palavra, em favor da geração de emprego. Nada. O que existe são ameaças ao setor produtivo. O povo não sabe, mas quando se diz que é necessário promover a competição empresarial, o objetivo oculto é abrir porteiras para a entrada de produtos estrangeiros no mercado interno, produzindo desemprego dos nacionais e fechamento de fábricas.
O exemplo do leite é paradigmático. Guedes retirou a taxa antidumping do leite e dos laticínios. Sabem os produtores rurais o que isso significa? Significa baratear significativamente o leite e os laticínios europeus no mercado brasileiro, quebrando literalmente nossas cooperativas e pequenos produtores. São um milhão e duzentos mil. Entretanto, o leite que vai entrar aqui é fortemente subsidiado pela União Européia. Pagaremos a ela o preço da proteção à sobrevivência de seus fazendeiros com a desgraça dos nossos.
A pequena produção de leite não é uma questão econômica. É uma questão social. A decisão que foi tomada é a evidência de que alguém que se tornou eventualmente um tecnocrata não tem competência de administrar a economia. Estamos no campo da economia política, não da economia estritamente. Entretanto, é nas mãos desse verdadeiro facínora das relações sociais que estamos. Ele tem o cinismo de apresentar esse fetiche chamado de carteira verde-amarela como uma forma de “libertar” os jovens das teias da CLT.
É esse deslavado cinismo que se encontra também na propalada reforma previdenciária. Aí o objetivo óbvio é jogar milhões de trabalhadores nas garras do sistema privado de capitalização, sob a máscara de lhes dar possibilidades de escolha na aplicação de contribuições. Canalhas. Esta não passa de uma segunda forma de explorar a mais valia do trabalhador, destruindo o sistema previdenciário de bases correntes que é uma construção histórica de solidariedade, respeitada inclusive pelo regime militar e pelo mundo.
O que temos em vista, se não houver um meio de parar essa paranóia neoliberal, é a preparação de uma agenda de mobilizações e, no limite, grandes convulsões sociais para liquidar esse projeto de governo absolutamente anti-nacional e anti-povo. Está claro que Guedes e seu time de sumo-sacerdotes neoliberais não vão mudar de rumo. Que entrem em cena, na falta de Legislativo e Judiciário, os militares, que podem se envergonhar da participação num projeto que não tem outro propósito senão liquidar a Nação. Do contrário, serão apenas síndicos dos interesses norte-americanos no petróleo brasileiro.