JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
O fenômeno de massas de 2013 deve ser reinterpretado à luz dos resultados do primeiro turno das eleições de 2018. As causas são, fundamentalmente, as mesmas: um profundo descontentamento da classe média “real”, não a classe média dos marqueteiros, com sua situação objetiva de renda em face das oportunidades oferecidas pela sociedade de alto consumo. Desde já, uma diferença: em 2013 não havia alto desemprego. Esse fenômeno rouba a cena, de forma absoluta, em 2018.
O que é classe média? Os marqueteiros destruíam o conceito clássico de classe média para nele incluir consumidores de produtos de massa e excluir os consumidores de produtos especiais como automóveis, barcos e casa própria. Com isso, classe média brasileira, inclusive na versão do IPEA, está ligeiramente acima do nível de pobreza e constitui a grande massa da população. Está portanto abaixo do conceito clássico que definia classe média pela posse de um automóvel e de uma casa própria, por exemplo.
Esses esclarecimentos conceituais são importantes para interpretar 2013 e 2018. De fato, os governos de Lula e Dilma, de inequívoco compromisso com os pobres, praticamente ignoraram a classe média “real”. E favoreceram, absurdamente, os bancos e os especuladores financeiros. Não se esqueça que pobre é um conceito relativo: quando ele observa o crescimento absoluto do andar de cima e continua parado no andar de baixo, sua sensação é de piora. A classe média “real” nada deveu a Lula. E passou a invejar os ricos.
É que o enriquecimento dos já ricos foi um excesso. E não necessariamente culpa dos governos do PT. Os estudos internacionais assinalam que a estúpida concentração de renda nas últimas três a quatro décadas foi um fenômeno mundial do neoliberalismo, ou, especificamente, da financeirização das economias ocidentais. Não seria Lula, e menos ainda Antônio Palocci e Guido Mantega, que poderiam estancar essa avalanche. Pagamos o preço de estarmos integrados no sistema financeiro ocidental capitaneado por Wall Street.
Nesse contexto, a revolta de 2013, parafraseando Oscar Wilde, foi a revolta da classe média “real” em não ver seu próprio rosto no espelho. Todos estavam melhorando, acima e abaixo, mas ela não. Por isso aquelas passeatas estranhas, mal explicadas e mal compreendidas, que nascem com reivindicação de 20 centavos de redução de passe de ônibus e descambam para palavras de ordem gritadas contra o governo. Havia um elemento de vergonha naquele movimento justamente por ignorar as melhoras que vinham de baixo.
Agora, o contexto de 2018. O esmagamento da classe média “real” continua no plano do consumo, mas surge o elemento novo de 2015 que é o desemprego e subemprego sem precedentes, atingindo pobres formais e a própria classe média. Continua também presente, certamente agravado, o fenômeno da concentração de renda e de riqueza. Tudo isso é caldo de cultura para um ódio violento contra a elite política indiferente ao desemprego, e, além do mais, inculpada pela corrupção exibida diariamente pela mídia como expressão de “classe”.
Bolsonaro não ganhou votos. Os votos resultaram de ódio contra as elites políticas que foram responsabilizadas pelo alto desemprego no inconsciente coletivo da classe média “real”. Foi a situação real de milhões de brasileiros que fez vitorioso uma figura medíocre, sem qualquer brilho ou carisma, de discurso fragmentado, e sem proposta real de governo. Ele foi o repositório de um ódio acumulado pelo menos desde 2015, quando, em cima de uma taxa já elevada de desemprego, Dilma Roussef apelou para um infame ajuste fiscal desempregador.
O impeachment, por seu caráter político radicalizado, confundiu o inconsciente coletivo na avaliação de uma depressão econômica e do desemprego crescentes no período Temer. Tudo ficou turvo. A culpa não seria de Temer, mas do PT. Para confundir ainda mais, Temer é do MDB, antes aliado do PT. Outros partidos envolvidos em corrupção também foram aliados do PT. Diante disso, para milhões de pessoas, a culpa é do PT, mesmo porque o PT governou por muito tempo. O ódio aos partidos virou, para essa classe, ódio ao PT.
O ressentimento da classe média “real” contra a degradação de seu padrão de vida, percebida de forma objetiva e subjetiva, se traduz não apenas pelo ódio à “classe” política mas também pelos pobres favorecidos pelos governos petistas. Nesse contexto, quem ganha bolsa família é um aproveitador, e quem vai para a universidade com financiamento do FIES é um privilegiado. Dessa forma não apenas a elite dirigente liquidou com a unidade nacional, como desapareceu na sociedade os sentimentos de fraternidade e busca de igualdade.