JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Jair Bolsonaro fala em unir o Brasil. Depois de vomitar ódio sobre todo mundo, depois de despejar insultos contra adversários construídos de forma artificial, depois de entupir de ressentimentos seus próprios correligionários, depois de tudo isso Bolsonaro quer unir o Brasil. Seus adeptos falam abertamente em guerra civil, ameaçando o Supremo Tribunal Federal caso não lhe reconheça a vitória. É um insulto à democracia. Mas é sobretudo um insulto aos trabalhadores desempregados que esperam do governo alguma esperança, não ódio.
Como unir o Brasil na base de ressentimento e da inveja? Sim, porque o que Bolsonaro tem de melhor é a inveja; é com base nela que ele quer o poder. O lado pior dele é o ódio contra pobres, contra os deserdados da vida, contra os homossexuais, contra os diferentes. Ele quer unificar todo mundo sob a bandeira do branco bem nutrido, ressentido, preconceituoso. Claro, isso não é o Brasil. E na medida em que o verdadeiro Brasil perceba o que ele é vai desembarcar de um projeto que não tem futuro, justamente porque não tem proposta.
Tenho escrito que o voto a favor de Bolsonaro foi um voto de protesto. As pessoas, justificadamente, estão revoltadas com as elites políticas que as deixaram no desemprego e na miséria. Contudo, ninguém vai viver eternamente de protesto. Na medida em que perceberem que não há futuro nas propostas fragmentadas e vazias de Bolsonaro, elas verificarão que é necessário ter uma proposta real, alternativa, de governo. É aí que entra o projeto de Haddad. Ele coloca como âncora de seu programa de governo a luta pelo emprego.
Na nossa concepção, não podemos ter nada menos no Brasil que uma situação de pleno emprego, isto é, uma situação na qual todos os aptos e dispostos a trabalhar encontram trabalho remunerado. É o desemprego zero, o desemprego ao nível de 3% da população economicamente ativa, que é um nível de desemprego chamado friccional, ou seja, que afeta apenas pessoas que estão mudando de emprego ou estão voluntariamente em busca de empregos melhores. Podemos conseguir isso, porque isso já foi generalizado no ocidente.
Agora até temos pleno emprego verdadeiro num país socialista, a China, com seus 1,3 bilhão de habitantes. Mas temos também nos Estados Unidos e na Alemanha. Nesses dois países, ou o neoliberalismo foi mandado para as favas, ou acontece, como a Alemanha, uma situação na qual o resto da Europa paga as contas da prosperidade alemã. Em qualquer hipótese, não estamos diante de uma situação ideológica. Só idiotas e imbecis falam nos termos da Guerra Fria já que comunismo em larga escala acabou desde 1991.
Nós temos um caminho de retomada do emprego, da economia e da prosperidade nacional. Está em nossas mãos. Mas é inacreditável que do Exército brasileiro, com tantas tradições de nacionalismo, saia uma figura desprezível como Bolsonaro, alimentada durante décadas por oportunistas de extrema direita, e que se arroga o direito de rachar a frágil unidade nacional e sua democracia também frágil, em nome de conceitos retrógrados e ameaçadores. Essa avalanche de conotações primitivas insulta as Forças Armadas.
Qualquer um que se esforçou por estudar a realidade brasileira contemporânea sabe que o povo está esgotado de promessas vãs. A votação de Bolsonaro é um ato falho de grande parte da população: ela protestou contra o desemprego e o subemprego, mas se esqueceu de perguntar como reconquistar seu emprego. A proposta de Haddad é justamente a de garantir, com base em sua credibilidade e na credibilidade apoiada na própria realidade, que será possível, a curto prazo, garantir o desemprego zero no país.
Vou apresentar amanhã a proposta de Lei de Pleno Emprego que pode ser a base de credibilidade do governo Haddad. Mais do que uma promessa de campanha, terá de ser um compromisso inarredável, necessário e possível. Contra essa proposta só existe uma corrente de opinião: os neoliberais, chefiados na equipe de Bolsonaro por Paulo Guedes. Para Guedes, todos os problemas brasileiros serão resolvidas pela venda de todas as estatais por 800 bilhões de dólares. É um cínico. Ele sequer menciona o que fazer com esse dinheiro. Gostaria muito de debater com ele publicamente suas propostas. Ou ele também não debate, como seu chefe?
*Jornalista, economista político, doutor em Engenharia de Produção, autor de mais de 20 livros sobre Economia Política brasileira.