JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Em minhas elucubrações políticas jamais imaginei que o agronegócio viesse a ser o instrumento mais poderoso para a derrubada de Michel Temer. Pensava nas centrais sindicais, nos movimentos sociais, nas frentes, não no agronegócio. O agronegócio é, de longe, o setor que goza dos maiores benefícios e subsídios na economia brasileira. Não paga imposto, exporta sem taxação e nunca quita seus empréstimos junto ao Banco do Brasil. É pelo agronegócio que a economia respira a expansão monetária. Não tinha o que reclamar.
Mas o agro se viu agora diante de um oximoro: apareceu alguém que exige mais subsídios e mais vantagens do que ele. Que emprega tão pouca gente quanto ele. Que é um centro de concentração de renda e de riqueza maior que o dele. E que ganhou do senador José Serra e do deputado Aleluia vantagens mais formidáveis, aprovadas pelo Congresso venal, do que tudo que se costuma dar ao agronegócio, inclusive um perdão tributário de 1 trilhão de reais nos próximos anos além da mamata do excedente de óleo aprovado pela Câmara.
De fato, mais acalentado por este Governo do que o agronegócio são as irmãs petrolíferas estrangeiras, notadamente as norte-americanas. Diferente do agro, que ao menos retém parte de sua renda no território nacional, o que se dá às petrolíferas vai direto para os paraísos fiscais do mundo, amaldiçoados pelo Papa Francisco porque fogem de suas obrigações tributárias de origem. Desse conflito entre o agro e as multinacionais do petróleo surgirá o caos. E do caos, espero eu, surgirá uma estrela piscante, como diz minha mulher Iara poeticamente citando uma bela metáfora de Kant.
O que seria uma estrela piscante no contexto atual? Primeiro, falemos do caos. Os caminhoneiros tinham entrado em greve para forçar o aumento do diesel, que estava e continua submetido a uma estúpida política de preços livres da Petrobrás de Pedro Parente. O Governo, em pânico por causa da extensão da greve, fez uma geringonça não portuguesa para compatibilizar uma redução de 46 centavos de real com redução do orçamento público – leia-se, saúde e educação – e do ICMS, este arbitrado pelos Estados. Como a redução de 46 centavos não satisfez os caminhoneiros, estes exigiram a fixação de um frete mínimo.
Acontece que o frete mínimo, no nível estabelecido pelo Governo, inviabilizou o transporte de mercadorias no país, enfurecendo os senhores feudais do agronegócio, e alguns outros senhores não menos feudais ligados à CNI. Os senhores feudais foram então ao STM buscar proteção, ou seja, acabar com a tabela. O ministro Fux se prontificou a promover um acordo. Nesse processo, descobriu-se que qualquer acordo de tipo salomônico – metade pra lá, metade pra cá – desagradará as duas partes.
A consequência de tudo isso, que me foi relatada por um executivo da CNI, é que o transporte de cargas parou à espera de uma definição final, já que, no intervalo de quarta-feira última até o dia 28, quando as partes voltarão a se encontrar, haverá uma decisão sob as bênçãos salomônicas de Fux. Se ele decidir a favor do agro e dos empresários, haverá greve dos caminhoneiros. Se ele decidir a favor dos caminhoneiros, haverá lockout involuntário por parte dos empresários. Saiam dessa, Moreira Franco, Padilha e Temer?
Haveria uma fórmula para resolver isso simplesmente recorrendo ao método clássico de precificação de empresas públicas: tarifa, ou preço pelo custo. Tenho um livro de 1940, de um prefeito de São Paulo, ensinando a fazer isso. É de uma tremenda simplicidade: calcule o custo, ponha uma margem para investimento e uma margem de lucro. Para quem tem, como
o Brasil, reservas gigantescas de petróleo, não há dependência real do sistema petrolífero internacional.
Podemos ter preços estáveis, reajustados periodicamente de acordo com a evolução dos custos e das margens de investimento desejadas. Claro, o mercado de Parente, de Moreira Franco e de Temer não quer isso. Nova Iorque não quer isto. Chicago não quer isto. O que querem é especular à custa dos consumidores brasileiros, inclusive as vítimas criminosas dos que mantém preços abusivos e crescentes de gasolina e sobretudo do gás. Enfim, o que se espera de tudo isso? Não tenho a menor dúvida. A estrela piscante na forma da liquidação do neoliberalismo no Brasil e talvez na América Latina.