18.7.17

SURSIS: ALMA BRASILEIRA EM LIBERDADE CONDICIONAL, DIREITO COLONIAL PARA INTERESSES ESTRANGEIROS

Por PEDRO AUGUSTO PINHO -


Qual mãos limpas em atos sujos, qual nada! É a velha e perniciosa presença colonial que dá curso e validade, além de enorme divulgação, às ações que causam unânime repúdio entre os que creem em justiça e a associam ao direito, ou os que assim precisam idealizar. Trato da inquisição curitibana.

Do descobrimento pelos portugueses até nossos dias decorreram 517 anos. Agora observe o esclarecido leitor que tivemos, de 1500 até 1603 como regra maior de conduta e organização, as Ordenações Afonsinas (breve tempo) e as Manuelinas, às quais se seguiram as delongadas Ordenações Filipinas, cuja efetividade ultrapassou nosso formal status de Nação independente, pois  ainda se aplicavam, no Brasil, em 1830. Podemos afirmar, com ressalvas, que nossa disciplina legal, aqui elaborada – não confundir com aqui idealizada –, completa 187 anos, confrontando com 330 anos de importação jurídica.

Em princípio as leis, que organizam e estabelecem as regras de convivência de uma sociedade, deveriam ser fruto desta própria sociedade. Das opções escolhidas pelos habitantes do País, ou seja, da livre manifestação daqueles que vivem nos limites territoriais da Nação. Jamais impostas por estrangeiros, o que, no cotidiano da justiça e do direito, sempre nos ocorreu.

Mas vejamos o exemplo, nas Ordenações Manuelinas, sobre o direito e o judiciário. No livro primeiro, como ocorrera nas Afonsinas e se repetirá nas Filipinas, estas Ordenações tratam do “Regedor de Justiça na Casa da Suplicação”. Este “magistrado” deveria ser procurado entre fidalgos “de sangue limpo, bom, virtuoso e de muita autoridade, temente a Deus, sem perversão nem paixão” (sic). Contextualizando, era o juiz um representante classista, da aristocracia de então, da burguesia, de hoje. Sua percepção não deveria ser conspurcada por ânimo particular, mas pelo ideal de justiça da época – e que será de sempre – qual seja a de um segmento social, jamais de toda sociedade, mas, já com a hipocrisia que permeará toda história, “com gracioso acolhimento, para que todos vejam o caridoso e piedoso regedor e guardem a lembrança de seus cuidados” (sic).

Poderíamos trazer para atualidade este fiel regedor, tratando com desvelo uma específica imprensa e mesmo, caridosamente, vazando conteúdos, cenas e falas para seus mais diletos acólitos.

Haverá alguma divergência sobre o que enunciarei, mas pediria a benevolência, sem o cinismo de um regedor, para minha canhestra compreensão. A partir da Revolução Francesa, tivemos, sem os retrocessos tão comuns em nossos dias, duas ideias de sociedade: a do contrato de Rousseau e da sociedade sem conflitos de Marx. A opção pelo contrato social levou à luta ideológica; o que afirmo sem qualificar, pois entendo a ideologia como a proteção de um interesse particular. Em meus artigos sempre coloquei, por exemplo, a religião, qualquer que fosse, como ideologia. Ora, nesta luta sempre desigual, o detentor do poder colocará a lei, o direito a seu serviço; se colônia, a lei do ou dos colonizadores.

Na sociedade rousseauniana, o Brasil, neste século XXI, é colônia da banca, do sistema financeiro internacional, e, embora com diferenças sutis e mínimas, do interesse geopolítico estadunidense, onde também prepondera a banca.
Qual a virtude do regedor de hoje? Nesta sociedade conflituosa onde um poder se destaca e age, não pelo acordo social, mas como imperador absolutista? Não mais de uma linhagem pura e reconhecida, mas com o dócil aceitar da traição nacional; nem com a virtude, pois há de proteger criminosos e a eles se associar; nem agirá também para que se lhe guarde boa lembrança, vez que manterá em cárcere, sem qualquer condenação, como forma de tortura para “confessar” os feitos e os não feitos, encontros com quem jamais esteve e falas nunca proferidas, o  que não poderíamos qualificar de gracioso acolhimento. Este é o regedor que temos. Aos crimes comprovados dos favoritos da banca, a liberdade e os louvores de vida dedicada à família e à pátria; se um desgarrado regedor condena, o pronto habeas corpus de um plantonista madrugador, e, nesta proposital legislação caótica, importa-se a lei estrangeira e aqui, por ela, se processa. E para isto se organizam cursos e seminários colonizadores pela potência colonial. Por que estranhar o desmonte industrial, a cremação da engenharia nacional, o vilipêndio do defensor do Brasil, com prisão perpétua?

Chegamos agora a um ponto crucial. A condenação sem crime em processo, confessadamente não lido, de um líder popular. Alguém que buscou, como um bom selvagem, a harmonia social dos acordos, ao invés da luta a que tantos sempre propugnaram. Há enorme expectativa sobre as reações e se ocorrerão na continuidade desta condenação. Há também grande perplexidade pela sujeição aos evidentes interesses da banca, pronunciados pelos seus mais autorizados porta-vozes, nesta condenação e futura prisão do líder. Será a confissão de um agente, na agonia dos últimos instantes, do crime contra a Pátria?

Em artigo recente, sobre o fim de uma era de progresso, iniciada por Vargas, e sentindo profunda agonia por meus adolescentes netos, intitulei-o “Com a morte na alma”, uma existencial alusão sartriana. Neste vejo a sociedade em liberdade provisória, em “sursis”. Espero que o povo brasileiro reaja e meu próximo artigo, fechando a trilogia, tenha por título “A idade da razão”.

* Via e-mail. Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado