6.6.17

A HEMIPLEGIA MORAL BRASILEIRA

HÉLIO DUQUE -


Vivendo clima de guerra civil semântica, a sociedade brasileira está engolfada em um debate torto: de um lado, uma extrema direita apoplética, do outro uma extrema esquerda que explora pseudomarxismo e catecismo de sacristia. Atropelaram a contribuição que uma direita moderna e uma esquerda democrática poderiam oferecer nos desafios em que está mergulhada a realidade nacional. A centro-direita e a centro-esquerda, comprometidas com diferentes visões, mas protagonistas da vida política, foram atropeladas. Os conflitos ultrapassaram o terreno da política para se espraiarem no ambiente das relações pessoais e familiares. Impor aos outros a sua verdade é uma coação ideológica embrutecedora que permeia a atual vida brasileira. Na coletividade a coragem de ser livre, viver a liberdade com independência é dever elementar. Na democracia, o debate, a divergência, a alternância de poder está na sua essência. O contrário é deixar-se levar na onda entrando na correnteza da mistificação, cultivando a mediocridade inútil. É uma forma de hemiplegia moral.

Não se pensa em construir o Brasil do futuro, cultiva-se o Brasil arcaico, onde as ideias não florescem e em seu lugar o ódio, a raiva e a incompetência encontra terreno fértil. A sociedade torna-se amorfa alimentando sua esperança em falsos salvadores da Pátria. Caminho seguro para vender sonhos em um estado paternalista que possa mobilizar a população. É caminho certo para o desastre se as propostas populistas prevalecerem no cenário político de 2018, quando das eleições presidenciais. É rota segura para nos levar ao naufrágio, ao invés da prosperidade.

O avanço de um tipo de imprensa marrom nas redes sociais vem mudando os cenários políticos, éticos e culturais, possibilitando que muitos se sintam em condições de opinar sobre tudo. Informação não é formação, ajudando a ampliar o índice de analfabetismo funcional. No Brasil está presente em dois terços da população. Mentiras, verdades camufladas e ataques pessoais em escala crescente se multiplicam. Agravada com a falência da política tradicional, onde a ausência de verdadeiros homens de Estado, corajosos no enfrentamento dos desafios da governabilidade, se faz presente. Com o derretimento do sistema da representação popular, onde a falta de partidos políticos doutrinários e com projeto histórico para o País, o quadro se agrava. Demitiram-se de protagonizar a aspiração da política verdadeira, onde o bem comum é ponto inegociável. É importante diferenciar política de políticos. Sem política é impossível a sobrevivência da sociedade.

O professor Roberto Romano, de Ética Política da Unicamp, analisando o Legislativo, foi certeiro: “As chamadas bancadas do Congresso são reuniões de lobbies que vão de interesses econômicos e religiosos. São pessoas que não representam o eleitor indiferenciado, formal, mas interesses materiais muito específicos e opostos a outros interesses que foram preteridos. Isso traz problemas sérios, até mesmo ao desenvolvimento econômico.” Em tradução direta significa que a ação política praticada, em vastos setores, não tem compromisso com a população. Mas é preciso destacar que nela ainda habita homens e mulheres honestos, competentes e dotados de espírito público. A restauração da verdadeira política tem neles a esperança de construção de realidade diferente do presente que vivemos. Enxergando o futuro.

Ante os escândalos recorrentes de corrupção que vem marcando o tempo atual no Brasil, o professor José de Souza Martins, da USP, constata que somos muito originais: temos a “corrupção altruísta”, a “corrupção cívica”, que pode dilapidar o patrimônio do Estado e a “corrupção Robin Hood”, que visaria o bem comum. Com ironia afirma: “Corrupção de esquerda não é corrupção. Corrupção de esquerda é corrupção para o bem, não é para enriquecimento privado. Tem esse equívoco permeando todo esse processo. Isso é um tremendo equívoco, porque é corrupção do mesmo jeito.”

Encarneirada nessa realidade, onde corrupção é adjetivada, boa parte da classe política está mais preocupada com o seu destino e não com a sociedade que se fazem representar, submetem-se as Odebrechts e JBSs. Os interesses do País são secundários. Sanear contas públicas, modernizar o Estado com reformas, garantindo a retomada do crescimento econômico, deixa de ser programa de governo. A luta pelo poder a qualquer preço passa a ser a meta dos arengueiros ideológicos à esquerda e à direita. O dragão do radicalismo despreparado e incompetente acha-se no direito de traçar o caminho do futuro da sociedade, com omissão inconsciente da grande maioria dos brasileiros.

* Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.