JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Neste ambiente de iconoclastia em que se tornou o Brasil, em parte justificado pelo terror incriminatório difundido pela propaganda midiática desde o mensalão até os mais recentes escândalos na Petrobrás, é comum as pessoas dizerem que todos os políticos, todos os parlamentares, todos os senadores, todos os deputados são corruptos. É claro que isso é exagero. Conheço dezenas de parlamentares. Suspeito de alguns. Mesmo esses alguns se esforçam por defender algum interesse público pois, do contrário, não se reelegeria.
Em qualquer corporação existe corrupção. Os clubes de futebol são um exemplo disso. Eventualmente algum dirigente é expulso como ladrão. Na própria cúpula futebolística, como se viu no caso da FIFA, pode grassar a corrupção. Nem por isso alguém imaginaria acabar com a FIFA. Ela é útil para a difusão do futebol no mundo. Diante de desvios, a polícia entra em campo, limpa o gramado e vai adiante. Assim também deveria acontecer com a política. Os casos de corrupção devem ser entregues à polícia e aos procuradores, e ponto final.
Afirmo tudo isso para dizer que, se a esmagadora maioria dos senadores fosse corrupta, eu pararia de escrever por aqui mesmo. Pois o futuro da República depende dos nossos senadores. Acredito que, agindo sobre o fato crucial que determinará pelos próximos anos e décadas as relações entre a União e os Estados – ou seja, a relação entre a União e os Estados na questão das dívidas públicas estaduais em face do Governo Federal - a grande maioria deles agirá com consciência política efetiva, e não no estrito interesse próprio.
Governadores agem ou no interesse público ou no interesse próprio. Alguns ficam no meio termo. Para separar o joio do trigo, vamos dizer que os que agem no interesse próprio – por exemplo, cobrando propinas em obras – tem que fazer alguma obra ou pagar por algum serviço para receber sua comissão. A premissa é lógica. Eles precisam de fazer obras e prestar serviços, pois do contrário não terão como fazer superfaturamento, origem da propina. Contudo, no tempo de Meirelles, há um problema: de onde tirar o dinheiro para pagar obras?
O fato é que este Governo Federal não atende sequer aos interesses dos corruptos. É fato que ele pode liberar algumas emendas parlamentares e distribuir alguns cargos. Isso é insuficiente para gerar propina na escala exigida por um verdadeiro corrupto. E é insuficiente, sobretudo, para senadores e outros parlamentares que tencionam se candidatar aos cargos de governador na próxima eleição. Eles estarão no ambiente da Emenda 55/241, que votaram um tanto inconscientemente sem se dar conta de congelará também os seus gastos a partir de 18.
Consideremos agora o fato bem mais provável segundo o qual a maioria dos senadores e dos governadores dos Estados é honesta, e quer sinceramente o bem público pois aspiram a novos postos eletivos. No contexto da política econômica de Temer/Meirelles eles estão simplesmente liquidados. O programa explícito do Governo é estrangular o investimento público em todos os níveis e trazer ao osso os gastos com serviços públicos essenciais, como saúde, educação e segurança – esta só lembrada quando há rebelião e matança nos presídios.
Consideremos agora o universo de senadores e governadores, os muitos honestos e os poucos desonestos. Haveria algum interesse comum entre eles? Claro, todos querem mais obras e mais serviços públicos, e entre os que querem mais serviços púbicos muitos quererão melhores serviços públicos. Há alguma forma de conciliar esses interesses? Óbvio que há. É a aprovação pelo Senado do projeto de resolução que o senador Roberto Requião pretende apresentar, em caráter suprapartidário, logo no início da próxima legislatura, de reconhecimento da nulidade da dívida pública dos Estados junto à União.
Em artigos anteriores mostrei os fundamentos para a declaração da nulidade dessa dívida que consiste no virtual estrangulamento dos Estados. É uma opinião partilhada também pelo maior economista brasileiro em atividade, Luís Gonzaga Belluzzo. Darei alguns de seus aspectos quantitativos, me aproveitando dos cálculos da guerreira Maria Lúcia Fatorelli. Quando foi “criada”, a dívida, atualizada, era de R$ 111,18 bilhões. Foram pagos pelos Estados R$ 277 bilhões. Resta a pagar insultuosos R$ 476 bilhões. Somando o pago indevidamente com os “restos” a pagar, seriam R$ 753 bilhões disponíveis para os governadores.
É claro que, se medirem bem seus interesses, senadores e governadores pensarão duas vezes antes de embarcar no projeto contracionista de Meirelles. Ele tem muito pouco a oferecer, a não ser migalhas de emendas e de cargos, em face do que pode dar uma alternativa de poder a ser articulada. Para que as pessoas não se assustem com cifras, não haverá nenhum peso insuportável para a União em restituir o que foi pago indevidamente da dívida. Na verdade, essa restituição em etapas deverá integrar um programa keynesiano de retomada do desenvolvimento brasileiro nos termos que proporemos no próximo artigo.