ANDRÉ BARROS -
Atualmente, quase a metade da população carcerária está presa por tráfico de drogas e desta, uma parte significativa por maconha. No Brasil, o que temos de mais concreto sobre esse debate é a pauta da descriminalização que está no STF. Apesar de tímida, a proposta já colocaria milhares de pessoas em liberdade e substancialmente esvaziaria as prisões brasileiras.
Foto: Bianca Barros – Marcha da Maconha ~ São Paulo 2016/Reprodução Google. |
O início do ano foi sangrento nas masmorras brasileiras. Em torno de 100 pessoas foram assassinadas, muitas decapitadas, e centenas fugiram de penitenciárias do Amazonas e de Roraima. A barbárie acendeu mais uma vez o debate sobre a falência total do sistema penal punitivo brasileiro, que vai do soldado da Polícia Militar ao ministro do Supremo Tribunal Federal.
O incrível é que a mídia oficial do mercado não apresenta qualquer proposta decente para o início de alguma mudança no sistema. O Ministro da Justiça chegou a dizer que tem um plano para acabar com a maconha no Brasil e na América do Sul. Quase a metade das pessoas estão presas por tráfico de drogas e destas, uma parte significativa por maconha. Nos presídios femininos, 70% estão presas por tráfico, muitas por maconha.
Os casos envolvendo maconha são em regra de pessoas que estavam sozinhas, desarmadas e portando menos de 100 gramas. O que temos de mais concreto no Brasil sobre esse debate da legalização da maconha está no STF. O Ministro Luís Roberto Barroso votou pela descriminalização do consumo e a permissão do porte de 25 gramas de maconha e da plantação de 6 plantas fêmeas. Essa tímida proposta já poderia colocar nas ruas milhares de pessoas presas como traficantes, mas ainda seria pouco. Quero propor neste texto a permissão do porte de 100 gramas de maconha. Se isso acontecesse, mais da metade das mulheres presas teriam de ser anistiadas e colocadas na rua, esvaziando substancialmente as cadeias brasileiras. A pergunta que fica é: por que as autoridades do Estado ou do mercado sequer lembram da legalização da maconha para reduzir a superlotação dos presídios? Poderia ser um pontapé inicial.
Em outra ponta, não existe qualquer proposta de mudança deste sistema penal punitivo militarizado. A Constituição Federal estabelece no artigo 144, em seu § 6º, que as polícias militares e civis são subordinadas a seus governadores. Hoje, a polícia civil virou quase uma espécie de cartório, onde são lavrados os autos de prisões em flagrante realizadas pela polícia militar. A PM seleciona os casos levados à polícia civil e, consequentemente, ao Ministério Público e ao Judiciário. A polícia militar, por exemplo, selecionou institucionalmente combater o tráfico de drogas onde vivem negros e pobres, fazendo com que o Batalhão de Operações Policiais Especiais, o BOPE, faça apenas isso. Os autos são lavrados frequentemente apenas com a palavra de dois policiais militares, em depoimentos idênticos, pois um deles é praticamente apenas copiado do outro, mudando-se apenas o nome. Hoje, a polícia militar tem mais poder que a civil, que virou praticamente um cartório, onde se investiga muito pouco. Temos um Estado Policial Militar, que controla também os presídios, pois quando acontecem rebeliões, a polícia militar é chamada. As guaritas de muitos presídios são de responsabilidade da polícia militar, muitas vezes até a parte interna. As revistas em dias de visita são rigorosíssimas. Normalmente mulheres, mães e companheiras, são colocadas em posições vexatórias. Antes, as guardas penitenciárias, com a mesma luva, introduziam suas mãos nos órgãos genitais à procura de droga. Comidas feitas com carinho e levadas com sacrifício são totalmente desarrumadas e destruídas por pura maldade à procura de uma agulha. Daí vem a pergunta: como entram facões, armas de fogo e até granadas nesses locais com tantas regras e carteirinhas para as visitas?
É um sistema penal que não trabalha com investigação, mas apenas repressão. O escândalo da entrada dos celulares deveria ser visto como uma solução. Se drogas ilícitas, armas e crimes são negociados em telefonemas, esses poderiam ser grampeados e saberíamos realmente quem vende essas automáticas e semiautomáticas, que chegam às mãos de adolescentes e jovens magros, que mal chegam à fase adulta. O fim da polícia militar combinado com a legalização da maconha, deve ser debatido como uma proposta inicial de mudança desse totalmente falido sistema penal punitivo militar brasileiro.