9.9.16

POESIAS: CATAR FEIJÃO (João Cabral de Melo Neto); À ESPERA (J.G. de Araújo Jorge); AO VENTO (Florbela Espanca)

CULTURA -

CATAR FEIJÃO
(João Cabral de Melo Neto)

Catar feijão se limita com escrever: joga-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
2.
Ora, nesse catar feijão entra um risco: o de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo não, quando ao catar palavras: a pedra dá à frase seu grão mais vivo: obstrui a leitura fluviante, flutual, açula a atenção, isca-a como o risco.


***

À ESPERA
(J.G. de Araújo Jorge)

Ela tarda… E eu me sinto inquieto, quando julgo vê-la surgir, num vulto, adiante, – os lábios frios, trêmula e ofegante, os seus olhos nos meus, linda, fitando…
O céu desfaz-se em luar… Um vento brando nas folhagens cicia, acariciante, enquanto com o olhar terno de amante fico à sombra da noite perscrutando…
E ela não vem…Aumenta-me a ansiedade: – o segundo que passa e me tortura, é o segundo sem fim da eternidade…
Mas eis que ela aparece de repente!… – E eu feliz, chego a crer que igual ventura bem valia esperar-se eternamente!…


***

AO VENTO
(Florbela Espanca)

O vento passa a rir, torna a passar, Em gargalhadas ásperas de demente; E esta minh’alma trágica e doente Não sabe se há-de rir, se há-de chorar!
Vento de voz tristonha, voz plangente, Vento que ris de mim, sempre a troçar, Vento que ris do mundo e do amar, A tua voz tortura toda a gente!…
Vale-te mais chorar, meu pobre amigo! Desabafa essa dor a sós comigo, E não rias assim!… Ó vento, chora!
Que eu bem conheço, amigo, esse fadário Do nosso peito ser como um Calvário, E a gente andar a rir p’la vida fora!…