HÉLIO DUQUE -
“As enormes quantias de dinheiro que passavam pelas mãos do Estado davam oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero. A pilhagem do Estado pelos financistas refletia-se nas obras públicas, nas relações entre os organismos da administração e os diversos fornecedores”. Há 166 anos, Karl Marx, em “A Luta de Classes na França – 1848 – 1850”, alertava que a corrupção endêmica é filha dos gastos estatais descontrolados. Constatava que ela empobrecia o Estado, transferindo para as dinastias econômica, financeira e política riquezas geradas pela corrupção.
A grande vítima era a classe trabalhadora que via ampliada a sua servidão. Políticos, burocratas e a dinastia econômica na acumulação de riquezas ilícitas acreditavam que “Rien pour la gloire” (A glória não dá nada). O livro de Marx reúne artigos publicados originalmente na Nova Gazeta Renana, editada em Hamburgo. A teoria marxista da luta de classes entendia que a corrupção estatal era uma inimiga que os trabalhadores deveriam combater em todas as frentes.
Karl Marx não negava a realidade, recusava aceitar que a imoralidade fosse fato normal. Hoje, destacadamente, no Brasil, a atitude de setores da dita elite do pensamento e muitos intelectuais engajados continuam negando a realidade. A aliança de setores, falsamente neomarxistas e cultores da fé no Brasil, produziu, nos últimos anos, um debate ideológico pobre, onde a dialética transformou-se no mantra: “Nós” contra “Eles”. A imoralidade foi transformada em fato normal.
A República foi atropelada pelos miasmas da corrupção e do tráfico de influência militante, lesivo ao patrimônio público. A disfuncionalidade atingiu partes fundamentais da administração estatal. A Petrobrás foi a principal vítima, como vem sendo demonstrado pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e a Justiça Federal. Infelizmente não é única, ela se espalhou por amplos setores do Estado, multiplicando-se na sonegação fiscal, como vem comprovando a “Operação Zelotes” ou nos enormes prejuízos dos Fundos de Pensão estatais. Quando apanhados nesse carnaval de ilicitudes os agentes públicos envolvidos na podridão ética repetem: “Eu não sabia”. Outros de maneira cínica, na mesma direção alienada: “Eu não me lembro”.
O “progressismo de araque” e o “neomarxismo primário”, fruto da leitura de orelha de livro, ao prevalecer por longo tempo nos arraiais do poder, gerou o espetáculo da miséria moral e intelectual. Zombando da cidadania e fortalecendo a desmoralização de uma missão fundamental nas sociedades democráticas: o exercício da política em defesa do bem comum. Ignorando o que na França, em 1795, Robespierre proclamava: “As funções públicas não podem ser consideradas como sinais de superioridade nem como recompensa, mas como deveres públicos. Os delitos dos mandatários do povo devem ser severa e agilmente punidos”.
Séculos depois, a fala de Robespierre foi incorporada na “Declaração dos Direitos do Homem e da Cidadania”. O poder nascido de um processo democrático não pode ser passivo e tolerante com qualquer tipo de delito. Significando que o Estado democrático moderno deve se estruturar institucionalmente no cumprimento dos deveres públicos. A severidade punitiva ao transgressor é determinante no próprio ordenamento constitucional. No Estado democrático, a força da lei é valor supremo.
Na outra vertente, o neopopulismo marqueteiro, com falsa roupagem ideológica, abomina os limites a seu poder, considerando conspiração das elites. Vendem a ilusão de um mundo melhor e mais solidário, corrompendo e degradando as funções públicas. É uma anomalia política que joga para as trevas a implantação de reformas estruturais, que permitiria o surgimento de uma nova sociedade onde as injustiças sociais seriam combatidas de frente. Ao capturar a estrutura do Estado, abandonam o antigo discurso e agravam uma realidade social primitiva e injusta.
Como advertia Marx, “suborno”, “corrupção”, “malversação” e “ladroeiras”, não podem ser programa de governo. Combater a corrupção está acima de ideologias, como proclamava o notável pensador alemão.
*Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.