Via MODECON -
É golpe. E por que é golpe? Porque há um indisfarçável desejo de apear do governo (não do poder) o PT. Razões para que esse desejo viesse à tona com toda força, o PT forneceu aos seus adversários e críticos. Mas, o que leva os defensores do impeachment a querer ver os petistas longe das esferas de decisão não são os erros do governo. São as políticas sociais e a política externa independente.
Os argumentos para que esse desejo se concretize, os seus adversários foram buscar na Constituição, que amparou a lei do impeachment de 1950, e a lei de responsabilidade fiscal, igualmente prevista constitucionalmente. Sendo assim, sentiam-se escorados pela legalidade e certos de que o caminho para desalojar a presidente da República fosse suficiente.
Pois não é. Primeiro porque os tais argumentos são no mínimo discutíveis, na medida em que dá margem a interpretações distintas. Sim, mas alegam os seus ideólogos a questão do impedimento de um governo com base em dispositivos legais é, fundamentalmente, política. Logo, basta que se forme uma maioria de dois terços na Câmara, seguida de uma ratificação da admissibilidade no Senado, e pronto o julgamento de mérito já estaria em condições de politicamente levar à decisão de se cassar um mandato legitimamente conquistado nas urnas.
As famosas pedaladas não configuram crimes dolosos. Quando muito, foram atos de gestão passíveis de censura pública e exigência por parte das instituições encarregadas de zelarem pelo bem público de se reaver as medidas causadoras de tais danos ao erário. Não fosse o desejo acima mencionado e as pedaladas passariam em brancas nuvens. O povão as desconhece, porque é alvo de pedaladas em seu cotidiano, ainda que fundadas em procedimentos trabalhistas e, portanto, legais, como legal é tudo que se tem feito contra o governo Dilma, inclusive com o beneplácito do STF. Querem mais?
Pois é pouco, muito pouco, pouco mesmo, parafraseando um velho locutor esportivo ao descrever lances perigosos, quase decisivos. É pouco porque o desejo mais forte é o do povo. Ah, mas e as pesquisas de opinião, não valem nada? Valem pouco, não tão pouco assim, mas o suficiente para serem discutidas no que se refere aos métodos empregados. Ora, diante do mal-estar proporcionado por uma crise econômica gigantesca a afetar o dia a dia do cidadão é compreensível que reajam, e nestas reações atribuam a culpa a quem esteja no comando das ações governamentais. Caso contrário, não haveria nenhuma chance de impedir a continuidade do governo.
Os mesmo que votaram em Dilma antevendo eventuais retrocessos no caso de sua derrota, sãos os mesmos que hoje são massacrados diariamente por uma mídia que insiste em atribuir todos os males aos governos petistas. Assim, diante da frustração de um governo impotente para debelar a crise social derivada da econômica e da crise ética, a recepção de narrativas visando desconstruir os avanços obtidos nos últimos anos serve de instrumento a favor da retomada das rédeas absolutas da gestão pública por parte de uma elite dominante, que não tolera mais o contraditório inerente à democracia.
O uso ardiloso de expediente fundados na legalidade nem sempre é legítimo. E em alguns casos é ilegítimo, embora legal. É o caso do que está acontecendo nesse processo de afastamento do governo. E neste caso, há sim um golpe. Nem sempre os golpes lançam mão de armas, mas usam outros tipos de armas tão ou mais eficazes do que os golpes armados. A interpretação de dispositivos legais associados a atos de administração mesmo sendo eles desastrosos configura uma ação golpista.
E o beneficiado por este golpe ardiloso, o vice Michel Temer? Bom, se estamos enfezados em razão da crise ética de um país cada vez mais mergulhado no oportunismo e na corrupção sistemática de suas classes dirigentes, por que o vice não se considerou corresponsável pelos atos do governo ao qual se encontra vinculado, pela aliança política e partidária e pelo voto, que indiretamente o fez sucessor na presidência?
Uma coisa é certa. Se há como relacionar legalidade e legitimidade, como aceitar que o senhor Temer ascenda ao governo pela via da legalidade se ele tem a cara da ilegitimidade? Na verdade, é ele o golpista da vez. É o que se convencionou chamar de “golpe palaciano”, porque feito no âmago do governo beneficiando um dos seus membros.
Lincoln de Abreu Penna
Presidente