JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Vários comentaristas e internautas concordaram comigo na conclusão de que a prisão de Lula teve como objetivo principal criar um balão de ensaio para avaliação da reação popular para o caso de uma prisão definitiva. Entretanto, há outro objetivo implícito na ação dos golpistas. Eles tem a iniciativa, ditam a agenda. Nós corremos atrás. A criação de fatos e interpretações novas a cada semana, diretamente pela Lava Jato ou pelos seus cúmplices da grande mídia, tem o propósito claro de impedir a implementação de uma agenda anti-golpe.
Os progressistas estão em grande parte neutralizados para ações de médio e longo prazo no plano político. Quando tentam estabelecer uma agenda, são logo atropelados por um ato de força da Lava Jato, por uma iniciativa do Renan, por outra de Eduardo Cunha, por uma decisão do Supremo, por um descompasso do Executivo, por uma afronta da mídia. Em cada um desses casos eles tem que abandonar o esboço de agenda própria para tentar apagar o fogo em outros quintais. A prisão relâmpago de Lula surge no ápice desse processo desestabilizador.
A característica principal dessa artimanha é que ela opera com fatos reais e suscita reações que se colocam como prioritárias. Há duas semanas toda banda progressista do Senado se movimentou em torno do projeto do senador José Serra de tirar a Petrobrás da condição de operadora única do pré-sal. Os progressistas quase ganharam. Porém, o fato notável nem foi sua derrota mas o efeito de que se gastou imenso conteúdo de energia para nada, o que significa uma perda de articulação no curto prazo e outra no médio.
Se quisermos alimentar alguma esperança de liquidar o golpe será necessário que, principalmente no Congresso, seja conciliado o combate corpo a corpo do curto prazo com ações de construção a médio prazo. A crítica genérica aos congressistas de que todos ou a maioria são corruptos é um equívoco ou um erro estratégico. Com o Executivo debilitado e o Judiciário corrompido por golpistas em posições chave, o Congresso é nossa única válvula de escape. Não se vai ganhar todo o Congresso, mas uma parte significativa dele.
Esse é o propósito da Aliança pelo Brasil, cuja construção deveria estar mais adiantada não fossem as operações evasivas da Lava Jato e das demais instituições golpistas. O modo com enfrentar isso é o estabelecimento de duas agendas no campo progressista, uma para o curto prazo, atendendo à necessidade de reação à agenda golpista, e outra do médio prazo, visando a um horizonte mais distante. Neste último caso, não vejo outra alternativa a não ser a Aliança pelo Brasil. Seu objetivo seria a instituição de um bloco de poder no Parlamento com capacidade de impedir o impeachment e influir numa mudança decisiva da política econômica.
O fato é que não podemos ter a ilusão de que o conjunto da população brasileira vai se satisfazer em derrotar o impeachment sem perspectiva de mudança na sua situação econômica objetiva, principalmente quanto ao desemprego e a queda da renda. Esses dois objetivos devem ir juntos. E isso não se consegue sem estratégia. As manifestações de rua são importantes, mas não são suficientes. Nada adianta, no médio prazo, evitar a prisão de Lula se sua liberdade não tiver associada a um programa de promoção do bem-estar da sociedade brasileira, para o que é fundamental a mudança da economia ainda no governo Dilma.
É claro que temos sido vítimas de uma combinação perversa de situações, reais ou forjadas, gerando grande ambiguidade. Em 2014, a Globo criou na economia uma crise inflacionária que não existia. Em meados do ano, explodiu a Lava Jato, tendo sido os escândalos na Petrobrás aproveitados para um ataque geopolítico às grandes empreiteiras brasileiras ligadas a nossa estratégia de Defesa. No início de 2015, os neoliberais impuseram, através de Joaquim Levy, um draconiano ajuste econômico que ainda subsiste. O resultado tem sido uma contração econômica sem precedentes.
Se temos o dever patriótico de garantir a estabilidade política, temos também o dever de garantir a recuperação econômica. Do contrário mergulharemos numa crise social de proporções gigantescas, associada à própria crise política com níveis de radicalização nunca vistos. O propósito dessa articulação é fazer com que, tão logo seja afastado o golpismo do impeachment, a presidenta Dilma implemente o programa econômico de emergência proposto pela Aliança pelo Brasil de forma a iniciar, ainda este ano, o processo de recuperação econômica do país.
As forças da direita se apropriaram da agenda política e econômica para impedir a retomada da economia em curto prazo. Sua intenção clara é inviabilizar o governo Dilma em todas as direções. Se não conseguirem cassar Dilma e neutralizar eleitoralmente Lula, terão ao menos o beneplácito de uma tragédia econômica já em curso, que possibilitaria, em tese, a eleição de qualquer poste da direita em 2018. Ou as forças progressistas tratam de articular uma estratégia anti-golpista consistente, ou, de provocação em provocação e de pequenos golpes a grandes golpes no curto prazo, chegaremos exaustos e derrotados lá adiante.
*Jornalista, economista, doutor pela Coppe/UFRJ.