Por JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Desde a conversão de Santo Agostinho no século III, não
conheço caso mais sincero de conversão do que o do senador José Serra em nosso
tempo. Agostinho era um devasso na juventude, licencioso e mulherengo, e se
tornou um dos mais piedosos padres da Igreja. O jovem Serra era um
revolucionário romântico na UNE e no Chile de Allende e se tornou a vanguarda
da direita eficaz no Congresso. Mas ao contrário de ideólogos de direita que se
destacam pela retórica, Serra é de uma eficácia intimidadora. Ele atira para
matar.
Já na Constituinte o Senador, ainda deputado, mostrou suas garras de
homem maduro do conservadorismo. Mas nada se compara ao que tem feito nesses
últimos meses aproveitando-se do clima de verdadeira anarquia que prevalece no
Congresso Nacional. Manipulando o presidente do Senado, Renan Calheiros, Serra
apropriou-se da pauta de 28 itens dele e determinou absoluta prevalência para
projetos de sua autoria ou de seu interesse que, sem qualquer justificativa
plausível, ganharam status de prioridade na ordem de discussão e aprovação.
Não foram os esforços do senador Roberto Requião, entre outros,
contornando manobras regimentais de tremendo oportunismo, e projetos como o de
retirar a prerrogativa da Petrobrás de explorar 30% de cada campo do pré-sal já
teriam passado. Graças ao weakleaks, sabemos que esse projeto foi a
materialização de um compromisso de Serra com Chevron, com intervenção do
Departamento de Estado norte-americano. Também o projeto das estatais,
apresentado formalmente por Tasso Jereissati, é inspiração direta de José
Serra, dessa vez mediante um compromisso de privatizar e promover o Estado
mínimo.
Por um desses equívocos conceituais, Serra se apresenta e é apresentado
como economista. É um equívoco. Ele é um especialista monotemático em orçamento,
um contador, um fiscalista. Ele não conseguiu ultrapassar a fronteira
keynesiana, embora, ao que parece, tenha feito pós-graduação em boas
universidades norte-americanas. É incrível, mas ele não aprendeu que, em
recessão, como nos anos 30 e nos anos 2008 em diante, o Estado deve gastar mais
do que arrecada e a dívida, que aumenta no começo, cai depois.
Na realidade, baseando-se em sua experiência de governador, o atual
Senador pretende aplicar à União as mesmas regras monetárias dos estados.
Esquece-se de que a União emite moeda e dívida. Portanto, desde que tenha um
programa responsável de gastos deficitários, não tem risco de quebra em moeda
nacional, a não ser em casos extremos de relação dívida pública/PIB. Estamos
muito longe desse extremo no caso interno. E também muito longe disso no plano
externo pois temos mais de US$ 400 bilhões em reservas.
Por um capricho ideológico inspirado no Tea Party, a extrema direita
norte-americana, Serra quer impor um teto para o déficit e a dívida pública
independentemente da situação da economia. Isso é um convite à depressão
permanente. A grande trapalhada da política fiscal brasileira nos últimos anos
foi justamente ter feito ou tentado fazer superávits fiscais enquanto a
economia já ia ladeira abaixo. Por um desses mistérios que não consigo
compreender, o Senador Serra pretende tornar essa aberração permanente,
bloqueando nossas possibilidades de recuperação.
*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de
mais de 20 livros sobre economia política brasileira.



