DANIELA ABREU -
“...Negro forte destemido, foi duramente
perseguido na esquina, no botequim no terreiro..,”
São
mais de cem anos de abolição da escravatura, doze anos de lei 10.639, a lei que
obriga escolas públicas e particulares lecionarem a história e à cultura
africana e afro-brasileira no ensino básico, e ainda casos como da menina de 11
anos do candomblé acontecem na nossa sociedade. O fato é que tanto o fim da
escravidão não acabou com a precarização e exploração dos negros, quanto o
surgimento da lei não determinou uma escola sem preconceitos.
Poucas são as escolas com ações ou
projetos que trabalhem com desejo de erradicar o preconceito racial e afirmar a
cultura e história afro-brasileira como essências na formação da criança e
adolescente. Na maioria das escolas as iniciativas nesse tema parte de
professores que acreditam na importância, que além de incluírem em sua ementa,
promovem culminâncias, que por vezes são boicotadas ou desestimuladas,
colocadas com algo menor nas escolas.
A lei é aprovada no ano de 2003 fruto
da luta do movimento negro e da atuação de muitos historiadores na academia,
seminários da história da África foram fomentados, e a necessidade que o outro
lado da história fosse contado desde a pré-história se fez necessário. A
parcela histórica dos negros no Brasil é base para a compreensão da sociedade.
Durante anos crianças negras cresciam
sem estudar sobre seus antepassados, ou pouco escutavam, geralmente apenas que
eram escravos. Ninguém queria ser bisneto de escravo, mas sempre diziam quando
tinham um italiano, português, espanhol, de qualquer lugar da europa. A
formação era reflexo do pensamento dominante, desta maneira era fácil tornar o
negro com vergonha de ser negro. Negro durante anos significou cabelo “ruim”,
“duro”, burro, xucro, feio, vagabundo ou coisas piores. O investimento na
construção da autoestima passou pela valorização da estética negra, mas ao
compreender sua história, seu passado, poderá compreender o seu presente, e
isso tem uma força determinante.
Muita mudança ocorreu nos últimos anos,
mas ainda com uma maior força no que é ligado ao mercado, como o surgimento de
bonecas negras, penteados afros, atores na TV, cotas para negro em
universidades. Em contrapartida a reação foi feroz. Se por um lado leis
melhoram os direitos dos cidadãos afro-descendentes, por outro no campo das
ideias igrejas cristãs, principalmente evangélicas são principal espaço de
organização das crianças e jovens das periferias.
A escola por ser uma instituição
publica responsável, ainda, pelo saber e formação, deveria está na vanguarda do
debate, ao contrário disso é um espaço difusor do preconceito. Muitos são os
relatos de discriminação racial vividos por professores e alunos. Aluno já foi
impedido de entrar em sua sala de aula por estar carregando suas guias, outros
sofreram preconceito por andarem paramentados no retorno a aula após a sua
iniciação.
Escolas públicas com imagens de santos,
crussifixo, alunos com bíblias, culminâncias do dia de Ação de Graça em data
próxima do dia da Consciência Negra, ou a célebre frase: “Por que não o dia da
consciência branca?”. Compreender que um
homem propôs esse dia, e foi o responsável pelo holocausto.
Conhecer sua história e suas raízes,
ter uma escola que valorize a história e respeite a existência das religiões de
matrizes africanas é questão si ne qua non na construção do estudante
brasileiro. A história dos negros esta na música, nas ladeiras, na comida, na
dança, em toda a produção até 1888. Vivem a maior injustiça da nossa história a
falsa conquista da liberdade. São jogados a esmo sem nenhum pagamento por todo
o seu trabalho. Encontrar com seu passado é perceber que escravo não é uma
condição natural, e que negros não são escravos. Negros africanos foram
arrancados das suas terras, suas casas sendo obrigados a deixarem tudo para
tráz e atravessar a árvore do esquecimento.
Eram reis, rainhas, princesas e até escravos, mas não coisa, condição
imposta pelos europeus ao serem capturados.
A escola é o principal espaço de
formação da identidade, a lei 10639 deve atuar visando garantir esse encontro
identitário de maneira articulada na escola, e não com iniciativas individuais.
Hoje o projeto político meritocrárico
tem em suas metas ações que fortaleçam a lei nas escolas, mas basta que um
professor promova alguma ação. As medidas estão se apresentando ainda de forma
tímida e individual.
O investimento brutal das igrejas na
formação de crianças e jovens levam com que algumas enfrentem as propostas
ousadas.
Ser evangélico não inclui apenas ser
religioso e temente a Deus, mas incide uma série de princípios e
comportamentos. Tudo passa a ser “macumba”, uma música regional, uma roupa com
motivos afro, uma dança diferente. Professores de arte que ousam e professores
de história que inserem com destaque a história afro-brasileira, são chamados
de “macumbeiros”.
“Macumba é um
instrumento musical”, muitos respondem assim, e continuam, e se fosse uma
música da umbanda, uma roupa do candomblé, uma comida de oferenda. A resposta
muitas vezes é: Deus me livre! Cruz credo! Jesus!!!
Professores também afirmam que após um
ano de implementação da lei, mudanças reais ocorrem. As meninas percebem que
são lindas mesmo sem chapinhas, e os cabelos alisados iguais dão lugar a lindos
Black Pawers. Muitos deixam de lado a vergonha e passam a ter orgulho de todos
que lutaram para garantir a liberdade, os próprios negros.
Facilmente detectamos o descaso de
Estados e Prefeituras com o tema, nenhum orçamente está reservado para ações
ligadas a cultura ou história afro-descendentes.
A aplicação da lei 10.639 nas escolas
ainda é lenta, reflexo de todo preconceito arraigado na sociedade, embora tenha
forçado algumas escolas a no mínimo aceitarem as ações do professor, e a
presença dos alunos com seus aparatos, o preconceito ainda é presente. Deus
“não permite” gays, sexo antes do casamento, anticoncepcionais, mas permite
agressão a uma menina de 11 por ser “macumbeira”. Esse apedrejamento da menina é a síntese dos
novos tempos, os mesmo que também exigiram posicionamento do prefeito e dos
líderes religiosos das igrejas cristãs.
A escola é capaz de produzir um
erradicar desse preconceito e de tantos outros, mas profissionais e governo deveriam estar alinhados e
investirem na construção de uma sociedade sem preconceito e discrimanação
etnico-racial.
A lei
apenas não basta é preciso mudar as mentalidades.