24.6.15

NO PAÍS DA INTOLERÂNCIA A LEI 10.639 SOFRE PRECONCEITO NAS ESCOLAS

DANIELA ABREU - 

“...Negro forte destemido, foi duramente perseguido na esquina, no botequim no terreiro..,”
 

São mais de cem anos de abolição da escravatura, doze anos de lei 10.639, a lei que obriga escolas públicas e particulares lecionarem a história e à cultura africana e afro-brasileira no ensino básico, e ainda casos como da menina de 11 anos do candomblé acontecem na nossa sociedade. O fato é que tanto o fim da escravidão não acabou com a precarização e exploração dos negros, quanto o surgimento da lei não determinou uma escola sem preconceitos.

Poucas são as escolas com ações ou projetos que trabalhem com desejo de erradicar o preconceito racial e afirmar a cultura e história afro-brasileira como essências na formação da criança e adolescente. Na maioria das escolas as iniciativas nesse tema parte de professores que acreditam na importância, que além de incluírem em sua ementa, promovem culminâncias, que por vezes são boicotadas ou desestimuladas, colocadas com algo menor nas escolas. 

A lei é aprovada no ano de 2003 fruto da luta do movimento negro e da atuação de muitos historiadores na academia, seminários da história da África foram fomentados, e a necessidade que o outro lado da história fosse contado desde a pré-história se fez necessário. A parcela histórica dos negros no Brasil é base para a compreensão da sociedade. 

Durante anos crianças negras cresciam sem estudar sobre seus antepassados, ou pouco escutavam, geralmente apenas que eram escravos. Ninguém queria ser bisneto de escravo, mas sempre diziam quando tinham um italiano, português, espanhol, de qualquer lugar da europa. A formação era reflexo do pensamento dominante, desta maneira era fácil tornar o negro com vergonha de ser negro. Negro durante anos significou cabelo “ruim”, “duro”, burro, xucro, feio, vagabundo ou coisas piores. O investimento na construção da autoestima passou pela valorização da estética negra, mas ao compreender sua história, seu passado, poderá compreender o seu presente, e isso tem uma força determinante.

Muita mudança ocorreu nos últimos anos, mas ainda com uma maior força no que é ligado ao mercado, como o surgimento de bonecas negras, penteados afros, atores na TV, cotas para negro em universidades. Em contrapartida a reação foi feroz. Se por um lado leis melhoram os direitos dos cidadãos afro-descendentes, por outro no campo das ideias igrejas cristãs, principalmente evangélicas são principal espaço de organização das crianças e jovens das periferias. 

A escola por ser uma instituição publica responsável, ainda, pelo saber e formação, deveria está na vanguarda do debate, ao contrário disso é um espaço difusor do preconceito. Muitos são os relatos de discriminação racial vividos por professores e alunos. Aluno já foi impedido de entrar em sua sala de aula por estar carregando suas guias, outros sofreram preconceito por andarem paramentados no retorno a aula após a sua iniciação. 

Escolas públicas com imagens de santos, crussifixo, alunos com bíblias, culminâncias do dia de Ação de Graça em data próxima do dia da Consciência Negra, ou a célebre frase: “Por que não o dia da consciência branca?”.  Compreender que um homem propôs esse dia, e foi o responsável pelo holocausto. 

Conhecer sua história e suas raízes, ter uma escola que valorize a história e respeite a existência das religiões de matrizes africanas é questão si ne qua non na construção do estudante brasileiro. A história dos negros esta na música, nas ladeiras, na comida, na dança, em toda a produção até 1888. Vivem a maior injustiça da nossa história a falsa conquista da liberdade. São jogados a esmo sem nenhum pagamento por todo o seu trabalho. Encontrar com seu passado é perceber que escravo não é uma condição natural, e que negros não são escravos. Negros africanos foram arrancados das suas terras, suas casas sendo obrigados a deixarem tudo para tráz e atravessar a árvore do esquecimento.  Eram reis, rainhas, princesas e até escravos, mas não coisa, condição imposta pelos europeus ao serem capturados. 

A escola é o principal espaço de formação da identidade, a lei 10639 deve atuar visando garantir esse encontro identitário de maneira articulada na escola, e não com iniciativas individuais. 

Hoje o projeto político meritocrárico tem em suas metas ações que fortaleçam a lei nas escolas, mas basta que um professor promova alguma ação. As medidas estão se apresentando ainda de forma tímida e individual. 

O investimento brutal das igrejas na formação de crianças e jovens levam com que algumas enfrentem as propostas ousadas. 

Ser evangélico não inclui apenas ser religioso e temente a Deus, mas incide uma série de princípios e comportamentos. Tudo passa a ser “macumba”, uma música regional, uma roupa com motivos afro, uma dança diferente. Professores de arte que ousam e professores de história que inserem com destaque a história afro-brasileira, são chamados de “macumbeiros”.

“Macumba é um instrumento musical”, muitos respondem assim, e continuam, e se fosse uma música da umbanda, uma roupa do candomblé, uma comida de oferenda. A resposta muitas vezes é: Deus me livre! Cruz credo! Jesus!!! 

Professores também afirmam que após um ano de implementação da lei, mudanças reais ocorrem. As meninas percebem que são lindas mesmo sem chapinhas, e os cabelos alisados iguais dão lugar a lindos Black Pawers. Muitos deixam de lado a vergonha e passam a ter orgulho de todos que lutaram para garantir a liberdade, os próprios negros. 

Facilmente detectamos o descaso de Estados e Prefeituras com o tema, nenhum orçamente está reservado para ações ligadas a cultura ou história afro-descendentes. 

A aplicação da lei 10.639 nas escolas ainda é lenta, reflexo de todo preconceito arraigado na sociedade, embora tenha forçado algumas escolas a no mínimo aceitarem as ações do professor, e a presença dos alunos com seus aparatos, o preconceito ainda é presente. Deus “não permite” gays, sexo antes do casamento, anticoncepcionais, mas permite agressão a uma menina de 11 por ser “macumbeira”.  Esse apedrejamento da menina é a síntese dos novos tempos, os mesmo que também exigiram posicionamento do prefeito e dos líderes religiosos das igrejas cristãs. 


A escola é capaz de produzir um erradicar desse preconceito e de tantos outros, mas profissionais  e governo deveriam estar alinhados e investirem na construção de uma sociedade sem preconceito e discrimanação etnico-racial. 

A lei apenas não basta é preciso mudar as mentalidades.