CARLOS CHAGAS -
Na China, Mao Tse-Tung encontrava-se no ostracismo, desprestigiado e
sem poder, depois de haver ainda jovem liderado o partido comunista,
empreendido a Longa Marcha, resistido aos japoneses e proclamado a
República Popular. Já velho, foi nadar no rio Yang Tse e decretou a
Revolução Cultural, apoiado na juventude. Virou o país de cabeça para
baixo. Humilhou, condenou e afastou seus companheiros da Velha Guarda.
Excessos sem conta foram praticados mas ele retomou o poder absoluto.
Parece não haver muitas diferenças entre Mao e o Lula, que passou a
defender uma revolução no PT, dizendo que legenda que ajudou a criar
envelheceu e perdeu a utopia, não sabendo se o defeito foi dele ou do
governo Dilma. Acusou os companheiros de ficarem pensando apenas em
cargos nos governos por eles administrados, inclusive no plano federal.
Clamou pela definição se desejam salvar a pele, os cargos ou os
projetos. Isso poucos dias depois de haver acusado Dilma de “volume
morto” que não produziu uma só notícia boa depois de reeleita.
Segunda-feira, completou afirmando “que acreditávamos em sonhos, hoje a
gente só pensa em empregos”.
É a Revolução Cultural em marcha aqui nos trópicos, depois que o Lula
passou a sentir-se desprestigiado e desprotegido, em especial porque o
governo não o defende frente à operação Lava-Jato. Dilma está para o
presidente deposto Liu Shao-Chi assim como seus ministros lembram a
cúpula afastada por Mao. Para muita gente, logo saberemos quem vencerá,
mas algo de patético começa a acontecer.
Para Marx e Lenin a História só se repetia como farsa, mas eis o
Brasil contrariando lições dogmáticas. O primeiro-companheiro dá a
impressão de não apenas pretender descolar-se da sucessora, mas de
querer a demolição de seu governo. Sua mais contundente crítica foi
reconhecer estar velho, cansado, com 69 anos, obrigado agora a repetir
as mesmas coisas que falava em 1980. Só falta, mesmo, botar o calção e
nadar no rio Tietê...
A grande pergunta refere-se a como o PT reagirá. Se dará respaldo a
Dilma, ignorando o ressurgimento do Lula, ou logo se bandeará para o
primeiro-companheiro. Não dá para ocultar a existência de um muro mais
alto do que as muralhas da China, separando o antecessor da sucessora.
Será bom não esquecer que Madame, sozinha, não criou liderança alguma.
Sem o Lula e sem o PT, não se elegeria síndica de um edifício. Junto com
seus ministros petistas, mas nem todos, tentará ocultar a crise,
coisa que só estimulará o Lula a não interromper sua revolução. Poucos
ousarão, no partido, aconselhar o ex-presidente a refluir, depois dele
ter reconhecido o fracasso da administração atual.
É preciso aguardar qual o próximo passo do Lula. Brasília nada tem a
ver com a Cidade Proibida de Pequim, onde se podiam refugiar os donos do
poder. Ainda mais quando são verdadeiras as críticas do ex-presidente.
Os dirigentes do PT só pensam em cargos. Abandonaram, faz tempo, os
projetos de mudar as instituições nacionais, contentando-se com o
bolsa-familia para justificar seu imobilismo. Só que as bases
discordam, como se viu dias atrás no V congresso do partido, em
Salvador. Calaram-se, depois de protestos veementes, porque o próprio
Lula pediu. Agora estão livres para recomeçar, com o Grande Timoneiro à
frente. Motivos não faltam, desde a adesão de Dilma às propostas de
Joaquim Levy até a entrega da coordenação política a Michel Temer.