Por CLAUDIA JARDIM - Via BBC Brasil -
A detenção do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, torna ainda mais tenso o panorama político na Venezuela.
De
acordo com especialistas ouvidos, ao exigir "mão de ferro" contra
conspiradores, o presidente Nicolás Maduro aposta em uma demonstração de
força para tirar o foco dos problemas econômicos que o país enfrenta. A
estratégia seria fortalecer sua liderança, que está debilitada pela
baixa popularidade.
À sombra do líder venezuelano Hugo Chávez,
Maduro opta por uma via "mais punitiva" para mostrar poder de mando ao
dizer que “não permitirá ações desestabilizadoras.”
"Chávez
preferia a disputa nas ruas, com a população em manifestações para
gerar debate de opiniões. Parece que a fragilidade da popularidade do
presidente Maduro o conduz a gerar ações mais punitivas o que lhe
permite ter um controle não obtido por meio da persuasão ou da busca de
legitimidade popular", afirmou à BBC Brasil o analista político Nicmer
Evans.
"É necessário (para o governo) mais controle e essa ação é
proporcional às dificuldades que o presidente tem para o exercício da
governabilidade", acrescentou.
Maduro acusou Ledezma de estar
envolvido em um plano de conspiração e utilizou como prova um comunicado
intitulado "Acordo Nacional para a Transição", publicado em um jornal
local e assinado pelo prefeito, pela ex-deputada Maria Corina Machado e
pelo dirigente opositor Leopoldo López, preso há um ano.
O
Ministério Público disse, por meio de um comunicado, que o prefeito foi
preso "por estar supostamente vinculado a fatos conspirativos para
organizar e executar atos violentos contra o governo democraticamente
constituído". Ledezma deverá ser apresentado a julgamento "nas próximas
horas", informou o MP.
Crise
Com a mais alta inflação
da América Latina e desabastecimento de produtos básicos que obrigam os
venezuelanos a perderem horas em filas para conseguir produtos, o
governo de Maduro enfrenta sua pior crise desde a chegada de Hugo Chávez
ao poder.
A dificuldade do Executivo em tomar decisões concretas
para amenizar o impacto da crise na vida da população é traduzida por
alguns setores da sociedade como falta de "pulso" e de "liderança" do
presidente.
"As medidas econômicas necessárias para esse momento
têm custo político e ele (Maduro) não quer assumir esse custo", disse
López Maya.
Passado escuro
Nas
redes sociais, simpatizantes do governo recordam os vínculos de
Ledezma, apelidado de "Vampiro", com o golpe de Estado contra Hugo
Chávez em 2002 e seu passado à frente do governo e da prefeitura de
Caracas na década de 90.
Organizações de direitos humanos o
responsabilizam por repressão e assassinato de estudantes que
protestavam por melhorias nas escolas e gratuidade do transporte público
à época.
Desde que Maduro assumiu o poder, Ledezma tem apoiado a linha mais radical da oposição que exige uma "transição" no país.
"Há
uma série de antecedentes para justificar, do ponto de vista político e
jurídico, a detenção do prefeito. É um personagem que fez severos danos
à sociedade venezuelana, mas há que levar em conta que ele é um
prefeito eleito", afirmou o analista Nicmer Evans.
A detenção de
Ledezma é criticada pela oposição, que reuniu dezenas de manifestantes
em Caracas, nesta sexta-feira, exigindo sua libertação. Um panelaço foi
convocado para a noite desta sexta-feira em demonstração de repúdio.
A
prisão do prefeito opositor pode favorecer a oposição em um ano
decisivo, quando o Congresso deverá ser renovado e, pela primeira vez, a
aliança opositora vê possibilidades de disputar a maioria com o
chavismo.
O pleito deveria ser realizado no final do ano, mas Maduro indicou na
quinta-feira que a eleição poderia ser antecipada para julho.
Com
Ledezma preso, a oposição ganha uma nova bandeira para tentar mobilizar
seus eleitores às urnas, atraídos pelo endurecimento da postura do
governo. Ao mesmo tempo, Leopoldo López deixará de ser o único elemento
de atração como eventual líder da oposição.
Essa situação tende a
incrementar ainda mais o racha que existe na aliança opositora entre os
radicais, liderados até agora por López, e os moderados, representados
pelo governador e ex-candidato presidencial Henrique Capriles.
Golpe de Estado
Há
uma semana, Maduro anunciou que o serviço de inteligência havia
desarticulado um plano de golpe de Estado que previa ações militares com
bombardeios em alvos específicos em Caracas. Aviões Tucano seriam
utilizados na operação.
O governo venezuelano acusa os Estados
Unidos e dirigentes opositores de cooptarem um grupo das Forças Armadas
para executar o plano. O departamento de Estado dos Estados Unidos negou
as acusações.
"As alegações apresentadas pelo governo da
Venezuela de que Estados Unidos está envolvido na conspiração golpista e
desestabilização são infundadas", afirmou a porta-voz Jen Psaki.
Maduro
disse que um grupo de militares que estaria envolvido no suposto plano
foi preso. Em uma sociedade que convive com o fantasma do golpe, admitir
que há conspiração interna é visto como uma decisão complexa, uma
demonstração de fragilidade.
"Não se pode descartar que exista
movimentos dentro das Forças Armadas que possam estar envolvidos em um
plano para uma saída de fato", afirmou Nicmer Evans, ao acrescentar.
"Porém o reconhecimento desses movimentos é muito mais delicado para o governo (por mostrar fissuras entre os militares)".
Fontes próximas ao governo avaliam que a atual crise econômica favorecem a ação de grupos golpistas.