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Raissa de Oliveira, da Beija Flor, saúda o Teodorinho; Boni (de amarelo) de olho; ao fundo, placa do Swisssamba da Tijuca (foto Cristina Boeckel, do G1). |
Não somos fãs da denúncia generalizada contra “ditadores sanguinários
da África”, como se eles só existissem lá. Em geral tais denúncias,
feitas a granel, escondem intenções racistas de brancos que ainda se
acreditam encarregados de espalhar sua “missão civilizadora”, exatamente
como no século 18.
Achamos irônico que se denuncie a doação de uma quantia incerta de
dinheiro — R$ 10 milhões? — do ditador Teodoro Obiang, no poder há 35
anos na Guiné Equatorial, a uma escola de samba cuja origem é
diretamente associada à contravenção.
“A gente pegou um enredo para falar de um país africano, um país que
até então muita gente não conhecia. Nossa questão aqui é carnaval. O
regime não nos compete. Cuba era odiado pelo mundo democrático e hoje
está sendo abraçado”, filosofou Farid Abraão, o presidente da Beija
Flor.
Acreditamos que, se a Beija Flor merece ser criticada por aceitar
patrocínio da Guiné Equatorial, também merece a Unidos da Tijuca, que
levou dinheiro da Suiça, notório esconderijo de dinheiro sujo. Vai ver
que o Teodorinho, o filho do ditador da Guiné que assistiu ao desfile no
Rio, tem lá sua conta no HSBC…
O Viomundo tem como um de seus livros de cabeceira Poisoned Wells, the Dirty Politics of African Oil [Poços envenenados, a Política Suja do Petróleo Africano]. Nele,
Nicholas Shaxson demonstra que as riquezas naturais da África não
apenas serviram a ditadores locais, mas também a governantes corruptos
europeus, além de lubrificarem o sistema financeiro internacional na
casa dos bilhões de dólares, não naquele remoto refúgio fiscal do
Caribe, mas em Nova York e Londres.
Portanto, afastem de nós este cálice do moralismo fácil.
No entanto, como combatentes da hipocrisia, seria impossível deixar passar a exibida pelas Organizações Globo neste Carnaval.
Basta um acesso aos arquivos digitais para constatar quantas vezes
jornalistas e comentaristas a serviço das organizações, a título de
atacar a política externa do governo Lula, denunciaram a relação — de
Estado, diga-se de passagem — do ex-presidente com ditadores do
desagrado de Washington.
Na revista Época, Ruth de Aquino descreveu “Os amigos tiranos do Brasil de Lula”:
os irmãos Castro, Mahmoud Ahmadinejad e Hugo Chávez. A néscia
aparentemente desconhece o fato de que Hugo Chávez talvez tenha sido o
governante latino-americano mais testado pelas urnas em seu período de
governo — quase uma dúzia de eleições, referendos e plebiscitos.
Mente sobre censura à imprensa na Venezuela, o que qualquer pessoa
que se digne a frequentar uma banca de jornais naquele país vai
constatar. Mas, sempre valeu qualquer mentira, distorção ou omissão para
criticar o governo Lula.
Em Palpite Infeliz,
Merval Pereira, o ideólogo dos irmãos Marinho, investiu contra o
ex-presidente pelo mesmo motivo: “Presos por opinião política no Irã ou
em Cuba não contam com a solidariedade do governo brasileiro, que se
arroga o título de grande defensor dos direitos humanos, mas não liga
muito quando países amigos os transgridem”, escreveu Merval,
sem corar diante do fato de que seus patrões nunca denunciaram
Guantánamo ou a barbárie na Arábia Saudita.
Pois nesta madrugada as Organizações Globo tiveram mais de uma hora e
vinte minutos para denunciar um ditador que ocupa o poder há 35 anos na
Guiné Equatorial. Teodorinho, filho e futuro herdeiro do poder, estava
lá, num camarote da Marquês de Sapucaí.
Bastava apontar uma câmera na direção dele e ler de uma longa lista
de denúncias de violações de direitos humanos contra a família.
Certamente tocaria o público da Globo o fato de que a Guiné
Equatorial tem uma altíssima taxa de mortalidade infantil, apesar de ter
também uma das maiores rendas per capita do mundo (U$ 50 mil), por
conta da exportação de petróleo.
Enquanto isso, Teodorinho, saudado por Raissa de Oliveira na Marquês de Sapucaí, torra dinheiro comprando mansões,
colecionando automóveis, iates e jatinhos. Não seria um prato cheio
para a coluna de celebridades uma visita ao camarote do filhote de
ditador?
No entanto, a Globo só entrou no assunto quando o desfile da Beija
Flor terminava. Um dos narradores lembrou que a Guiné Equatorial era um
país novo, ao que Fátima Bernardes acrescentou timidamente “ainda em
busca de suas liberdades”, informando sem dar nomes que o presidente
estava no poder há 35 anos. A palavra “ditador” não foi mencionada.
Ponto final.
Faltou a coragem exibida por Ruth de Aquino, segundo a qual “três
regimes autoritários e ditatoriais, que vetam a liberdade de expressão e
punem com a prisão quem ouse contestá-los, contam com um aliado de peso
no mundo: o Brasil do presidente Lula”.
Cadê o jornalismo das Organizações Globo para colocar em prática o
que prega quando se trata de denunciar um ditador que financia o
Carnaval que ela transmite?
Aqui cabem muito bem, ironicamente, as palavras do próprio Merval Pereira, com os devidos ajustes:
Presos por opinião política na Guiné Equatorial não contam com a
solidariedade da Globo, que se arroga o título de grande defensora dos
direitos humanos, mas não liga muito quando países amigos os
transgridem!