4.9.14

União Europeia planeja mais sanções contra a Rússia

Por ACHILLE LOLLO - Via Brasil de Fato - 

Rebeldes reconquistam aeroporto de Lugansk, obrigando os batalhões do exército ucraniano a se retirar. Depois de Donetsk, essa é a quarta “retirada estratégica” que os generais de Kiev ordenam a suas tropas para não ficarem cercadas pelos rebeldes
Diante dos insucessos políticos do novo presidente ucraniano Petro Po­roshenko, que se viu obrigado a licenciar o governo chefiado pelo então primeiro­-ministro direitista Arseny Yatsenyuk e a proclamar eleições extraordinárias pa­ra o próximo dia 25 de outubro e devi­do também à incapacidade tática e ope­rativa do exército ucraniano em derro­tar os rebeldes da autoproclamada Repú­blica da Novarossia, as excelências “ocul­tas” da Casa Branca decidiram acirrar as medidas que os EUA e, sobretudo, os 28 países da União Europeia (UE) deveriam aplicar contra a Rússia com novas san­ções.

Nesse âmbito, o presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou aos jornalistas que os aliados europeus deveriam endu­recer as sanções contra a Rússia atingin­do, sobretudo, as instituições financeiras e os grandes grupos que apoiam o presi­dente Putin.

Em segundo lugar, Obama pretendia que fosse votada na reunião dos primei­ros-ministros dos 28 países da UE uma moção em favor do rearmamento da Ucrânia, tal como foi feito em favor dos curdos no Iraque.

Em terceiro lugar, os falcões da Casa Branca queriam que o Comando Geral da Otan preparasse uma força-tarefa de 10 mil soldados – todos originários dos paí­ses da Europa do norte – com o objetivo estratégico de estacionar ao longo das re­giões fronteiriças “potencialmente amea­çadas pela Rússia”.

O arrogante pronunciamento de Oba­ma, na realidade, fez lembrar os discur­sos do presidente francês Giscard D’Es­taing no auge do chamado “neocolonia­lismo”, isto é, quando todas as decisões políticas, econômicas, diplomáticas e mi­litares das antigas colônias africanas, ofi­cialmente independentes, eram tomadas em Paris por meia dúzia de ministros do governo francês.

De fato, não há dúvida de que, hoje, os Estados Unidos acreditam que podem dominar em termos político e militar a UE, mantendo relações privilegiadas com os principais países economicamen­te mais ricos (Alemanha, França, Grã­-Bretanha, Bélgica, Holanda e Suécia) e ter uma “corte” de países virtualmen­te submetidos que sempre dizem sim aos chamados dos EUA por conta da depen­dência financeira. Desse grupo, os mais serventes são: Polônia, Romênia, Lituâ­nia, Estônia, Letônia, Dinamarca, Portu­gal, Itália e Grécia.

Alemanha discorda

Entretanto, algo aconteceu em Bruxe­las, na reunião do dia 1º de setembro, já que até países “serventes”, como a Itália, por exemplo, rejeitaram o “diktat” da Ca­sa Branca, apoiando a posição interme­diária da primeira-ministra da Alema­nha, Angela Merkel, que, de fato, deses­truturou o plano das “excelências” da Ca­sa Branca.

O posicionamento político de Merkel, na realidade, não é de oposição aos EUA. Porém, no atual contexto a Alema­nha pretende reconquistar certos parâ­metros de autonomia política e de deci­são que a UE perdeu desde a invasão da Líbia, em 2011.

De fato, com a explosão da crise na Sí­ria, a UE, praticamente, ficou a rebo­que das decisões da Casa Branca. Em segundo lugar, Merkel acredita que, ao acirrar as relações políticas com a Rús­sia, o grande perdedor, em termos eco­nômicos e financeiros, seriam a indús­tria e os bancos alemães que, na reali­dade, são os grandes parceiros europeus da Rússia. Uma relação que influencia o PIB alemão em 12,5% e que o primei­ro-ministro italiano, Matteo Renzi, su­blinhou lembrando que ao endurecer o relacionamento financeiro e comercial com a Rússia, certamente, ocorrerá uma resposta desse país no setor energéti­co, tal como aconteceu no mês de julho, quando o governo russo, em represália às sanções dos EUA, suspendeu todas as importações dos produtos agro-alimen­tares europeus.

Na prática, a Casa Branca fez voz gros­sa, mas quem sofreu as consequências foram os produtores agrícolas europeus que perderam contratos no valor de qua­se 4 bilhões de euros.

Renzi, que na reunião exercia a função de presidente dos países da União Euro­peia, lembrou que no “dossiê” da Ucrâ­nia a questão do pagamento atrasado do fornecimento do gás por parte da Rússia – avaliado em quase 13 bilhões de dóla­res – ainda permanece sem resposta por parte do novo governo da Ucrânia e da mesma UE.

“Afinal quem vai pagar essa dívida quando a Ucrânia for membro efetivo da União Europeia, tendo em conta que a Rússia já ameaçou cortar o fornecimen­to, atingindo assim 18 países da UE?”, questionou Renzi.

É claro que diante desse dilema, polí­tico e, sobretudo, financeiro ninguém te­ve a coragem de continuar a sustentar as posições da Casa Branca e foi nesse parti­cular momento político que a posição de Merkel tornou-se majoritária, pedindo ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, que finalize nos próximos sete dias, em Minsk, as negociações com o presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko – negocia­ções que, além de estabelecer um perma­nente cessar-fogo, devem providenciar uma geral desmilitarização na Ucrânia Oriental, sobretudo, ao longo das fron­teiras com a Rússia.

Além disso, Merkel conseguiu conven­cer a maioria dos primeiros-ministros europeus que o envio de armas à Ucrâ­nia significava que a União Europeia es­taria apostando em uma solução militar que ninguém decidiu e, sobretudo, nin­guém votou e, por isso, deveria ser rejei­tada – uma posição que Obama, bem co­mo todo o staff do Departamento de Es­tado não esperavam de Merkel, que, des­ta forma, se vingou da espionagem que o pessoal da NSA/CIA havia montado em Berlin e em Bonn para conhecer com an­tecedência o que ela decidia.

A posição da Rússia

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serghey Lavrov, logo após a reu­nião, durante conferência de impren­sa em Moscou, argumentou que a Rús­sianão tem a mínima ideia e, também, não tem vontade de invadir a Ucrânia, como também não aposta na solução mi­litar. “Nós acreditamos que ainda é tem­po de realizar uma negociação séria so­bre o futuro daquela região e, assim, res­tabelecer a paz.”

Porém, se por um lado o ministro La­vrov foi enfático em aceitar o diálogo proposto por Merkel, por outro, profe­riu um alerta explícito contra as provo­cações do secretário-geral da Otan, An­ders Fogh Rasmussen, notoriamente porta-voz dos generais dos EUA. A esse propósito o ministro das relações exte­riores da Rússia qualificou como autên­tica provocação a criação de uma força­-tarefa especial, com comandos e aquar­telamentos deslocados ao longo das fronteiras com a Rússia, achando que essa seria uma forma de garantir a segu­rança dos países membros da Otan. Dei­xando no ar a pergunta: “E a segurança da Rússia, quem a garante?

Mais contundente foi a entrevista de Putin sobre as próximas negociações em Minsk com o homólogo ucraniano Petro Poroshenko. De fato, ninguém pode ne­gar que a situação no Leste da Ucrânia atingiu níveis de conflitualidade incon­troláveis que dificilmente podem ser apa­gados com simples eleições, inclusive por culpa do exército ucraniano que praticou uma efetiva limpeza étnica, provocando a fuga de quase 470 mil ucranianos para a Rússia e mais de 270 mil em direção a outras cidades do centro do país.

É evidente que o apoio popular e, so­bretudo, os sucessos militares que os milicianos das duas repúblicas popula­res (Lugansk, Donetsk), depois unifica­das na República de Novarossia, jogam um papel preponderante nas negocia­ções, já que a Ucrânia está praticamente dividida em três grandes setores regio­nais, dos quais apenas o menor apoia a política de limpeza étnica praticada pe­lo então primeiro-ministro direitista Ar­seny Yatsenyuk.

Nesse contexto, a formação da chama­da República de Novarossia seria a solu­ção ideal, inclusive porque é neste terri­tório que deve transitar o novo megaga­soduto South Stream, com o qual a Rús­sia pretende exportar gás para os países europeus sem ter de atravessar as regiões da Ucrânia do Norte.

É evidente que o presidente ucrania­no não poderá aceitar logo essa condi­ção já que o futuro financeiro da Ucrâ­nia depende da boa vontade do FMI e do BCE europeu enquanto a Ucrânia ainda não ingressou oficialmente na União Européia.

Além disso, os compromisso geoestra­tégicos que o governo transitório e de­pois o do direitista Yatsenyuk assumiram com os EUA e com a Otan não podem ser cancelados de imediato. Será necessário criar as condições para que a eventual se­paração da Ucrânia Oriental seja institu­cionalmente válida e reconhecida pelos parceiros políticos do governo do presi­dente Petro Poroshenko, isto é, a União Europeia e os Estados Unidos.

O grande problema disso tudo é que os rebeldes da República de Novarossia não estão dispostos a esperar muito tempo para uma definição negociada. Por outro lado, a maior parte dos membros do go­verno russo, em particular o presidente Putin, acha que na Casa Branca e na Otan hoje se diz uma coisa e o dia seguinte se opta por outra, que contraria tudo o que foi já decidido.

A demonstração disso tudo ficará evi­dente na próxima reunião da Otan em Cardiff, onde a agenda do debate e das decisões que deverão ser tomadas é, pra­ticamente, o contrário do que foi decidi­do na última reunião.

De fato, a eventual aprovação do Plano de Intervenção Rápida (Readiness Ac­tion Plan, em inglês) é o capítulo que a Rússia considera uma mera provocação à sua segurança visto que seu relator, An­ders Fogh Rasmussen, afirma que o mes­mo deve assegurar que a Aliança Atlânti­ca, Otan, esteja sempre preparada e ca­pacitada para defender todos os seus aliados contra qualquer tipo de ataque. Pois, não é preciso ser um estrategista de profissão para entender que, hoje, o ini­migo potencial da Otan é a Rússia.

Em poucas palavras, o que, hoje, o se­cretário-geral da Otan afirma é o mesmo que se dizia na década de 1980, quando a Guerra Fria e as medidas estratégicas da Otan e, sobretudo, dos EUA contra a URSS chegaram a ameaçar uma guerra nuclear.