Por Mauro Malin - Via Observatório da Imprensa -
O secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, é um
personagem machadiano. Como aconteceu a Brás Cubas, pendurou-se-lhe uma
ideia no trapézio que tinha no cérebro: a vaia e os xingamentos
dirigidos a Dilma Rousseff não foram obra da “elite branca”. Representam
um fenômeno mais generalizado. Tanto que Carvalho, usando o metrô para
voltar do estádio, viu “uns moleques” formando no vagão coro
mal-educado.
No universo petista e lulista, foi uma percepção não canônica. “Elite
branca”, afinal, é uma explicação tão cômoda, a despeito da imprecisão
etnográfica (para não falar de sociologia e política). Então quer dizer
que não foi um segmento privilegiado da turba ingrata o promotor de
vaias e xingamentos? Há descontentamento generalizado?
Não, não se trata disso. Carvalho dá agilmente uma cambalhota mental e,
para não fugir às linhas estruturais do libreto operístico, diz que a
perversa mídia “faz a cabeça” da multidão. Donde se depreende que o povo
é bobo. Ou, menos enfaticamente, la massa è mobile.
Seja como for, obra da áspera realidade dos fatos ou da máquina de moer cérebros da mídia, Carvalho diz em entrevista à Folha de S.Paulo (23/6)
que o PT alimenta a ilusão de que o povo pensa que está tudo bem.
Problemas, melhor não tê-los. Mas, tendo-os, melhor não ignorá-los.
Coisa de rico, riquinho
O governador do Ceará, Cid Gomes, sólido aliado do governo federal,
acha entretanto que a agressividade parte mesmo é de quem está por cima
da carne seca. Em entrevista ao Valor (23/6), disse:
“Achei que foi uma coisa de rico, de riquinho, agressiva demais. E foi
um tiro no pé. Desperta mais nas pessoas mais simples o sentimento de
que há aversão das classes mais ricas com [sic] essa instância de poder
porque quem está no poder valoriza políticas de atenção aos mais
pobres.”
Capítulo da corrupção
No capítulo da corrupção, Carvalho reconhece crimes cometidos por
petistas, mas aponta que os similares cometidos por adversários recebem
tratamento ameno na imprensa. Seu colega de governo Jorge Hage,
ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), em artigo na mesma
edição da Folha (“Avanço irreversível”), tem abordagem diferente:
“Não se ignora, por outro lado, a contribuição da imprensa, disposta
como nunca a apontar casos de corrupção, o que não deixa de ser natural
quando assumiu o governo um partido que incluía o combate à prática
entre suas bandeiras e que desbancou do poder as forças que com ela
conviviam, sem atacá-la, havia mais de 500 anos”.
Hage não varre problemas para debaixo do tapete, mas se esquece da
composição da famosa “base aliada”. Poucas coisas são mais “500 anos
de...” no Brasil do que o PMDB de Michel Temer, José Sarney, Renan
Calheiros, Henrique Eduardo Alves, ou o PTB de Fernando Collor.
Notícias boas e ruins
Circo retórico à parte, o jornalista José Roberto Toledo, em coluna no Estado de S.Paulo (“Foto,
filme, flashback”, 23/6), trabalha com uma categoria interessante. Algo
como a mídia jornalística refletida no espelho da opinião. Diz Toledo
que a esta altura de 2010, quando o governo Lula tinha apoteóticos
níveis de aprovação em pesquisas, “a percepção de que o noticiário era
mais favorável ao governo era três vezes maior do que a percepção de más
notícias. Quase uma euforia”. Agora, “a percepção de que as notícias
são ruins para o governo é quatro vezes mais forte entre os eleitores do
que a percepção do noticiário positivo”.
Duas hipóteses básicas explicariam tal fenômeno. A primeira é a mais
simples, mais “barão de Itararé” (“De onde menos se espera, daí mesmo é
que não sai nada”): a situação piorou, de modo geral, embora haja, como
em qualquer situação, altos e baixos, e a despeito dos méritos que
tenham políticas públicas do governo federal e dos governos de seus
aliados estaduais e municipais.
A alternativa seria a seguinte: a mídia jornalística foi mais boazinha
com Lula do que tem sido com Dilma. Um tanto escalafobética, mas
certamente contará com não poucos adeptos. Mesmo que à custa de
contorções mentais bem mais acrobáticas do que as do ministro Carvalho.
Escolha a tua, atento leitor. Se for inteligente, dou-me por
satisfeito. Se não o for, dou-te um piparote, como Machado de Assis aos
leitores de antanho. E não se esqueça de seguir atentamente o debate
sobre regulação, ou democratização, ou controle social da mídia. Aí tem
gato.