22.5.14

CDH do Senado contesta versão da Polícia sobre morte de Malhães

Via Carta Maior - 

Para a senadora Ana Rita, os elementos já colhidos pela Polícia carioca não permitem que sejam descartadas outras linhas de investigação. 

Depois de realizar diligências no Rio de Janeiro para acompanhar as investigações sobre a morte do coronel reformado Paulo Malhães, ocorrida em 24/4, na chácara em que ele vivia com a esposa, em Nova Iguaçu (RJ), a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado aprovou, nesta quarta (21), um relatório que contesta, de forma consistente, a versão de latrocínio patrocinada pela Polícia carioca.

De acordo com a presidenta da CDH e relatora do caso, senadora Ana Rita (PT-ES), os elementos já colhidos pela Polícia carioca não permitem que sejam descartadas outras linhas de investigação. “Nós estamos absolutamente convencidos de que as hipóteses de crime político ou queima de arquivo precisam ser consideradas”, afirmou ela à Carta Maior.

“Não nos parece que haja elementos suficientes – seja pela natureza e valor dos objetos roubados, seja pelas circunstâncias do crime em si – que autorizem afastar a hipótese de que o assassinato do coronel Paulo Malhães se relacione com seu passado de torturador e com as revelações que fez à Comissão da Verdade”, ressaltou, no relatório.

O documento pede mais investigações acerca do episódio e atribui responsabilidade ao Estado brasileiro pela morte prematura de uma das testemunhas-chaves para a elucidação dos crimes cometidos pela ditadura".

Independentemente do resultado das investigações, há responsabilidade do Estado brasileiro no caso. O Estado brasileiro falhou, porque houve negligência em relação à proteção da vida do depoente”, diz o documento.

A falsa confissão 

Segundo Ana Rita, o primeiro furo na tese de latrocínio é o fato de que o caseiro Rogério Pires, ao contrário do que a Polícia afirmou reiteradas vezes à imprensa, jamais confessou participação no crime, como ele mesmo informou à comissão. (Confira aqui a entrevista do delegado Pedro Medina à Carta Maior, na qual ele sustenta a versão da confissão do caseiro).“Quando confrontada com esta informação, a Polícia admitiu que não houve confissão e justificou que a prisão do caseiro se deveu às contradições verificadas em seus depoimentos”, relatou a senadora.

O problema, de acordo com ela, é que esses depoimentos também se deram em condições incomuns. “Nos incomodou o fato de que o caseiro prestou dois depoimentos à Polícia, nenhum deles na presença de um advogado. E mais ainda saber que, como ele é um homem simples que não sabe ler nem escrever, foi orientado a copiar seu nome no final do documento”, relata.

Relações superficiais 

No relatório, os senadores descrevem que as relações entre o caseiro e Malhães eram muitos mais superficiais do que se supunha. Embora trabalhasse para o coronel reformado há mais de sete anos, entre idas e vindas, Rogério não tinha autorização sequer para entrar na casa. “Ele nos contou que entrou na sala uma única vez para trocar um bocal, mas não tinha conhecimento do que havia nos cômodos”, afirma a senadora.

Ainda conforme o relatório, o caseiro admitiu que já havia discutido com o coronel por conta do baixo salário que recebia: R$ 200 por semana, sem registro em carteira, para carpir a área externa da propriedade e fazer consertos diversos.

Entretanto, ressalta que ele não admite participação no episódio e aparenta temer pela sua vida e dos cinco filhos. “ele nos pareceu muito assustado”, conta Ana Rita. 

O dia do crime

No dia 24 de abril, quando a casa foi invadida pelos supostos assaltantes, Rogério estava carpindo o terreiro, no fundo da casa de madeira. Ouviu barulhos suspeitos na residência desde “as dez e pouco”, achou que o cachorro latia muito, mas não teve como entrar para ver o que se passava.

Só quando o coronel e a esposa chegaram, por volta das 13 horas, é que ele relatou o problema. Logo depois, foi rendido pelos assaltantes e passou as horas seguintes amarrado, ora no mesmo espaço que a esposa do coronel e ora em local diverso. Reconheceu dois dos seus irmãos como os invasores.

A longa permanência

Conforme o relatório, ele afirma que não ouviu percebeu nenhum indício de que Malhães sofrera tortura. Apenas ouviu barulho de gente “fuçando coisas” e disse que ouvia um irmão falando atrás da casa, mas não sabe dizer se era ao celular ou com outra pessoa.

Os bandidos, que entraram na casa pela manhã, só saíram por volta das 22 horas. Na avaliação da CDH, um tempo de permanência incomum para um simples roubo, principalmente considerando que o laudo pericial do Instituto Médico Legal (IML) aponta que Malhães morreu de infarto ainda durante a tarde, por volta das 16 horas.

Documentos desaparecidos

Os senadores ressaltam também que, além das armas que o coronel colecionava, os bandidos levaram computadores, discos rígidos e pastas de documentos com conteúdo desconhecido. Entretanto, não foram todos os computadores e documentos encontrados no local, mas apenas dois discos rígidos e algumas pastas específicas.

Em busca e apreensão realizada posteriormente, o Ministério Público Federal (MPF) conseguiu encontrar, na chácara, conteúdo bastante significativo sobre os crimes da ditadura militar. Com base nos documentos, inclusive, indiciou cinco militares pela morte do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido político no período.

“Por que os criminosos permaneceram tanto tempo na casa? O que procuravam quando vasculharam tudo? Com quem falavam ao telefone nesse período? Por que foram levados somente dois de cinco computadores? Por que foram levadas algumas pastas de documentos do escritório? Qual o seu conteúdo? Qual o conteúdo dos outros três computadores e demais materiais apreendidos?”, questiona o relatório.

A demora da polícia

Imediatamente após os bandidos deixaram a chácara, Cristina conseguiu se desamarrar, libertou o caseiro e entrou em contato com a Polícia, da casa de uma vizinha. Os policiais, entretanto, só apareceram na chácara no dia seguinte, por volta das 8:30 horas.

“Nós questionamos a Polícia carioca sobre o porquê desta demora toda, e eles nos disseram que, como aquela é uma zona perigosa, de tráfico de drogas, eles não atuam durante a noite. Justificativa que, definitivamente, não nos convenceu”, contrapôs Ana Rita.

“Se, conforme a Polícia, a região é controlada pelo tráfico de drogas, por que a hipótese de crime comum é a mais aceita até o momento?”, pergunta o relatório.

Vazamento de informações

 O relatório da CDH contesta também o vazamento das informações sobre a morte de Malhães, publicadas pelo blog A Verdade Sufocada, do coronel reformado Brilhante Ustra, antes mesmo da informação chegar aos veículos da grande imprensa.

Ustra, que foi diretor do Doi-Codi em São Paulo, é apontado como responsável por conduzir mais de 500 sessões de tortura e é um dos mais ativos defensores do regime. “A Polícia carioca também não soube nos explicar como logo o coronel Brilhante Ustra obteve a informação de forma privilegiada”, contou Ana Rita.