HELIO FERNANDES -
Conversa interessantíssima, importante, pelo conteúdo, e que deixa bem
claro, a razão dos comunistas serem mestres da clandestinidade. Durante vários períodos
ficavam livres, apareciam. Logo, logo voltavam a serem procurados,
desapareciam.
É a primeira vez que escrevo sobre o fato. Nem na Tribuna de papel nem no
blog. Sabia que o grande jornalista e escritor Mario Magalhães fazia biografia
elucidativa do líder comunista, não contei nada a ele. Não queria dar a
impressão de que pretendia aparecer. Só falei com ele mês passado, quando a
biografia já era sucesso de critica e de bilheteria, com várias edições.
Meu relacionamento com Marighella
Conheci os 14 deputados comunistas e mais o Senador Luiz Carlos Prestes, na
Constituinte de 1945. Que promulgou a tão esperada Constituição, em 18 de
setembro de 1946. Mocíssimo, Secretario-adjunto da Revista O Cruzeiro, fui
cobrir os trabalhos. (Ainda não existiam os editores. Foi o bravo jornalista
Pompeu de Souza, que morou anos na Inglaterra e nos EUA, que trouxe a palavra.
Implantada por ele na belíssima fase jornalística do Diário Carioca).
Como eu ia à constituinte durante 7 meses e 18 dias, e como era de uma
revista importante, fiz amizades. Não era nem nunca fui comunista, mas minhas
inclinações progressistas eram visíveis na convivência e no que escrevia. Daí
as conversas com Grabois, José Maria Crispim, Lamarca, Jorge Amado, e lógico,
Marighella, personagem de hoje.
Com Prestes conversei também varias vezes. O que não me impedia de ficar
furioso, quando ele e Plínio Salgado sentavam juntos amigavelmente. E depois,
os dois na tribuna, se agrediam (é a palavra) violentamente.
Separados Câmara e Senado, continuei freqüentando as duas casas, com os
comunistas, até 1948. Nesse ano o partido (Partidão) teve o registro cassado.
Prestes foi avisado pelo seu advogado na ditadura do “Estado Novo”, e para
sempre seu amigo pessoal, o bravo Sobral Pinto. Todos foram embora, ninguém foi
encontrado ou preso. Embora não tivessem fugido do Brasil.
“Marighella quer conversar com você, com urgência”
Um dia, antes do AI-5, mas com o endurecimento mais que visível nas ruas, e
os prisioneiros sofrendo na carne a tortura impiedosa, tortura que era a base,
a idolatria, filosofia e ideologia dos generais, me telefona um grande amigo,
que não via ha tempos.
Excelente figura, líder comunista, morreu ha mais ou menos três anos, fui
ao enterro. No telefonema não disse o que esta no titulo destas notas, era
sabido, discreto e eficiente. Textual: “Helio, pode me encontrar ás 2 horas da
tarde?”. Nem podia recusar, ele completou: “Então me encontre na Avenida Rio
Branco esquina de Assembléia”.
Não disse mais nada, desligou. Nessa avenida, quando abre o sinal para os
pedestres, passam uns 300 para um lado ou para o outro. Não olhou para lado
algum, o sinal ficou verde, disse, “vamos”, tirou um papel do bolso, e no meio
daquela confusão, me entregou sem uma palavra, era a lição maior da
clandestinidade.
Li rapidamente fiquei surpreendido. Era um endereço no Cachamby, quase um
sub-bairro do Meyer, onde nasci. Perguntou, “decorou?”. Como respondi
afirmativamente, terminou: “O Marighella está te esperando às 2 da tarde, não
toque a campainha ele sabe quando você chegar”. Esperou eu dar a indicação do
lado para onde iria, seguiu logo no sentido contrario, sem um aperto de mão,
realmente desnecessário. Só vi quando esmigalhou o papel, que já era pequeno,
foi jogando pedaços nas lixeiras.
A conversa sobre guerrilha
Deixei o carro no Jardim do Meyer, além de ter nascido ali, ia muito à casa
do extraordinário Agripino Grieco, que espantosa biblioteca. Os jornais naquela
época tinham o que ficou eternizado como “rodapé”. Pela forma como eram
colocados nas paginas e pela importância dos que escreviam.
Na verdade foram os precursores do “colunismo,” mas “Nossa Senhora”, que
genialidade. Agripino foi o primeiro, depois vieram Alceu Amoroso Lima, Álvaro
Lins, Eduardo Portela, todos grandes amigos do repórter. Sabia que em 15 ou 20
minutos estaria na casa do Marighella.
Genialmente automático. Olhei o numero da casa, atravessei a rua, a porta
se abriu. 19 anos depois, reencontrava Marighella. Já era uma lenda, ainda iria
mais longe, se transformaria em legenda, como conta magistralmente Mario
Magalhães. Entramos logo no assunto.
Começou: “Helio, quando posso acompanho a tua luta, e tenho enorme
admiração pelo teu poder de analise, por isso pedi para você vir aqui”.
O que ele queria, não demorou: ”Helio, estamos organizando a guerrilha,
queria saber a tua opinião”. Ficou em silêncio, respondi: “Não tenho nada
contra a guerrilha como forma de luta, o que me interessa é a proporção das
forças. Quantos serão esses guerrilheiros?”.
“Seremos 60 no Maximo”
Fiquei assombrado, sabia que não formaria um exercito, era uma força para
combater. Incomodar o adversário, sem nenhuma possibilidade ou pretensão de
vitória. Mas não queria desacreditar a vontade de ninguém, eu estava ali para
analisar e não para desencorajar.
Falei para um Marighella atento, silencioso, mas muito bem informado: “O
Exercito vai partir com tudo para cima de vocês. Pode ficar certo que serão 60
mil armadíssimos, contra 60 de vocês, que terão que enfrentar a luta na
floresta, a traição que é natural, e a ânsia de tortura dos que se jogarão sobre
vocês”.
Continuei, tentando mostrar a desigualdade: “Vocês todos tem admiração pela
Coluna Prestes, eu também. Mas já se passaram mais de 40 anos. O país mudou as
forças armadas, agora, tem serviços de inteligência, vão localizar vocês
imediatamente e saberão sempre onde vocês estarão”.
Passei para a História de Canudos e Antonio Conselheiro: “O Exercito mandou
três quartas partes do seu efetivo, para lá. Envergonhados, chamaram a quarta “expedição
suplementar”. Assassinaram todos em Canudos, na quarta expedição levaram até
canhões, que montaram num morro chamado FAVELA".
Que depois seria imortalizado e
eternizado, nos morros do Rio, pelo único que escapou de Canudos. E reprisei: “Morreram todos. O único “herói”
de Canudos, foi o Coronel Moreira Cesar, conhecido muito verdadeiramente, como “coronel
corta-cabeça”.
PS – O encontrou levou duas ou três horas, já sabíamos que havia terminado.
E logo Marighella levantou, me abraçou: “Foi ótimo ouvir você. Toda luta tem
riscos, você faz a tua parte que é importantíssima”.
PS2 – Continuou: “Você sabe muito bem, ou não teria sido convocado, que resistiremos,
haja o que houver. Não vou contar nada aos companheiros, mas nossa decisão é
definitiva. Considero tua analise positiva, em nenhum momento você negou a
guerrilha”.
PS3 – Não me pediu silencio, não disse para manter a conversa entre nós, me
conhecia. Guardei sigilo por 46 anos, mesmo depois de tudo ter acabado. Agora,
conto, como homenagem ao bravo lutador.
PS4 – Nunca mais encontrei Marighella. Ainda me lembro de suas ultimas
palavras, não me levando até a porta: “Saia pelos fundos, você entrou pela
frente”. Não era recomendação, e sim um dos segredos da clandestinidade.