REDAÇÃO -
Juristas e sindicalistas das mais diferentes entidades cutistas criaram nesta quinta-feira (18) o Coletivo Jurídico da CUT São Paulo, uma articulação que tem como objetivo central enfrentar o modelo político e as propostas advindas do atual governo de Jair Bolsonaro (PSL) diante de um Congresso cuja maioria parlamentar tem aprovado a retirada de direitos trabalhistas e sociais.
A proposta, a partir de agora, é estabelecer um diálogo permanente entre os advogados para análises periódicas de medidas e propostas já criadas pelo governo - ou em tramitação - que venham a prejudicar trabalhadores, sindicatos, federações e confederações. Além de reuniões frequentes presenciais ou por videoconferência, o Coletivo construirá seu primeiro encontro em setembro.
Para o secretário de Organização da CUT-SP, Hélcio Aparecido, o momento exige uma mudança de postura e uma atuação mais radical da CUT e de suas entidades filiadas. “Estamos traçando estratégias de disputa dentro do Judiciário em âmbito nacional e estadual, entendendo que todas as mudanças necessárias neste momento devem fundamentalmente envolver a classe trabalhadora, num diálogo permanente com as bases. Sem isso, não conseguiremos avançar”, afirma.
Advogado na área sindical, Vinicius Cascone, destacou que foi o ataque aos direitos, bem como a criminalização dos movimentos sindical e sociais que motivou a articulação do coletivo jurídico. “A democracia está sendo atacada e a alteração do papel do Estado tem sido um ponto crucial promovido por este governo que aprofunda as raízes neoliberais e rompe com qualquer garantia conquistada desde a Constituinte e antes dela”, completa.
Entre avanços e desmontes - Durante o encontro, o secretário de Finanças da CUT Brasil, Quintino Severo dividiu os últimos 50 anos em quatro momentos. O primeiro período, ele caracterizou como aquele que envolveu o enfrentamento à ditadura e o ascenso da luta de classes, a redemocratização e a construção da Constituinte de 1988.
O segundo período ele apontou como o de descenso da luta de classes durante o governo de Fernando Collor e a adoção de políticas neoliberais, que desencadeou no processo de desindustrialização, no desemprego, entre outros fatores. Logo em seguida, lembrou Quintino, o neoliberalismo foi retomado com maior ênfase no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), aprofundando o receituário neoliberal entre os 1995 e 2002.
O terceiro período, como detalhou Quintino, inicia-se em 2003, com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. A transferência de renda para classes mais pobres e a valorização do salário mínimo foram exemplos desta mudança. Se criou, segundo o dirigente, um embrião do Estado de bem-estar social.
Porém, explicou, houve uma ruptura que caracteriza, então, a chegada do quarto momento que, de acordo com Quintino, é o que o Brasil está vivendo. Inicia-se com o golpe antidemocrático de agosto de 2016. Entre outros retrocessos, Quintino lamenta a promulgação, em dezembro daquele ano, da Emenda Constitucional 95, de 2016, que limitaria por 20 anos os gastos públicos em áreas como saúde e educação.
Para Quintino, este foi um dos grandes símbolos do desmonte do Estado e da perspectiva de o Estado de voltar a ser o indutor do crescimento, diferente do que, segundo ele, Lula procurou fazer.
“Depois disso vem ainda a reforma trabalhista criando um marco nas relações de trabalho com um conjunto de contratos precários. Ao mesmo tempo, procurando desmontar a capacidade do movimento sindical se manter em pé. Na sequência do golpe, é eleito um governo (de Jair Bolsonaro) de extrema direita, que vem aprofundar a retirada de mudanças, com uma postura extremamente conservadora e reacionária, mas liberal na economia. Retoma o diálogo da privatização com uma economia sem regras, destrói todas as políticas sociais”, resume Quintino.
Para o advogado sindical há 30 anos, Carlos Roberto de Freitas, o Carlão, a reversão deste cenário de retrocessos se dá em várias frentes e não se pode idealizar o papel da Justiça.
“A luta tem que ser no dia a dia, nas ruas, nos locais de trabalho porque a Justiça sempre foi do ‘trabalho’ e não do ‘trabalhador’. E, com o advento do código patronal (se refere à reforma trabalhista), ela está se transformando em justiça do patrão. É preciso que a classe trabalhadora fortaleça suas organizações para que possamos mudar isso. Porque se nós derrubamos uma ditadura militar, somos capazes de derrubar um governo miliciano”.
Pautas em discussão - Como citado por Quintino e outros participantes, um dos principais retrocessos nos direitos se deu com a aprovação da chamada ‘reforma’ trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, um dos desafios que terá o Coletivo Jurídico da CUT São Paulo.
“Nos últimos dois anos, após a reforma, observamos que houve uma queda significativa no número de acordos e convenções coletivas, ao contrário do que os proponentes da reforma defendiam, que ela serviria para estimular a negociação”, explicou o técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Luis Ribeiro.
Ribeiro apresentou que, na comparação do primeiro semestre de 2017 com o primeiro semestre de 2019, percebe-se que houve uma queda de 30% nos acordos coletivos e também nas convenções coletivas. Em São Paulo, o dado em um dos aspectos não é diferente, já que, no mesmo período, houve queda de 31% nos acordos coletivos no estado paulista.
Segundo Ribeiro, percebe-se que o lado patronal está endurecendo sua postura e as negociações coletivas estão sendo cada vez mais raras após a reforma trabalhista.
Além da reforma trabalhista, também foram apontadas a terceirização irrestrita, inclusive na atividade-fim da empresa, aprovada pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto de 2018 (apesar de a terceirização ter sido liberada na reforma trabalhista anteriormente sem restrições, os ministros poderiam deliberar por sua inconstitucionalidade) e a reforma da Previdência, aprovada no último dia 10 por 379 votos a 131 e que será votada em segundo turno na Câmara, a partir do dia 6 de agosto, com vários pontos e emendas ainda a serem tratados.
Os juristas destacaram ainda a Medida Provisória (MP) 873, editada em março por Bolsonaro e que dificultaria o recolhimento da contribuição sindical, fazendo com que a cobrança da taxa sindical não fosse obrigatória. A MP, contudo, não foi apreciada pelos parlamentares e expirou no fim de junho. Porém, alertam os advogados, que é preciso ter atenção ao atual Projeto de Lei (PL) n° 3814, de 2019, da senadora Soraya Thronicke (PSL/MS), que vem na mesma direção da MP 873.
Outra preocupação colocada em debate se referiu à MP 881, de 2019, que criou a medida provisória da liberdade econômica. Apresentada em abril, ela traz inúmeros retrocessos como o que flexibiliza o trabalho aos domingos, suspende jornadas especiais de algumas categorias e, até mesmo desobriga que Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas) em pequenas empresas sejam construídas. Para não perder a validade, o texto precisa ser aprovado até 30 de agosto no Congresso.
Frente a estas pautas, o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT Brasil, Valeir Ertle, ressaltou que a socialização do saber é questão-chave diante das manobras do governo Bolsonaro, além da articulação entre juristas neste momento. “Além de outros pontos debatidos ao longo do encontro, é importante lembrar que o coletivo terá também como papel articular e melhorar as relações com os órgãos de representação dos advogados, juízes, procuradores e desembargadores”, disse.
O presidente da CUT-SP, Douglas Izzo, se referiu da mesma forma à disputa voltada aos direitos trabalhistas, mas destacou a perseguição política por meio do Judiciário e a impunidade vivida no Brasil.
“Temos hoje a prisão política de Lula, a prisão de vários militantes do movimento de moradia em São Paulo sem motivos e provas e situações de impunidade que se repetem como a do assassinato de Marielle Franco e a de tantos jovens negros nas periferias que nunca foram resolvidos. Ou seja, o nosso trabalho no campo jurídico não é apenas enfrentar este tsunami da retirada de direitos, luta esta fundamental que temos feito no movimento sindical, mas também olhar para todo este cenário de violência e perseguição que piora a cada dia”, conclui o dirigente.
Fonte: CUT