25.4.19

A REPÚBLICA NUMA HISTÓRIA DA PRAÇA TIRADENTES

LUIZ ANTONIO SIMAS -


O Brasil é um oxímoro em forma de país, coisa que falo há anos: um português proclamou a independência; um monarquista proclamou a República; a revolução contra as oligarquias, em 1930, foi feita pelas próprias oligarquias; o presidente da redemocratização foi Zé Sarney, homem dos milicos; o Oeste Novo Paulista não fica no Oeste de São Paulo; a terra roxa nunca foi roxa; um beato asceta e reacionário, que esperava a volta de um rei morto trezentos e tantos anos antes, virou ícone da esquerda revolucionária e uma espécie de Lênin do sertão.

Noves fora isso, na Praça Tiradentes - aqui no Rio de Janeiro - a estátua é a de D. Pedro I; fato inusitado quando lembramos que foi no reinado da avó do primeiro Pedro, Dona Maria, a Louca, que Portugal mandou matar o alferes Joaquim José da Silva Xavier.

Tiradentes era republicano e conspirou contra os Bragança - família de Dona Maria, Dom João VI e dos dois Pedros que governaram o Brasil. Enquanto fomos monarquia e tivemos Bragança no poder, necas de pitibiribas de homenagear o enforcado. Quando muito, era mencionado como traidor ou como homem de caráter fraco, incapaz de liderar qualquer movimento mais articulado contra a ordem estabelecida.

Quando a República foi proclamada, cem anos depois da Inconfidência Mineira, os novos donos da banca resolveram escolher um herói nacional representativo do novo regime. Houve polêmica entre dois candidatos - Tiradentes e Frei Caneca, o líder da Confederação do Equador de 1824. O barbudo (que não era barbudo, mas isso é outro papo) levou a melhor. Quem quiser saber mais pode catar o Formação das Almas, livro do José Murilo de Carvalho, ou (serei cabotino) a minha dissertação de mestrado sobre o Marechal Floriano Peixoto e os ritos funerários como espaços de construção de heróis na Primeira República.

Quando os republicanos resolveram fazer de Tiradentes o herói nacional, a praça mais próxima do local da execução do alferes - o velho Largo do Rocio, perto do Campo da Lampadosa - recebeu a denominação do herói. Havia, porém, um probleminha. A estátua de D. Pedro I já estava ali desde 1862, num marco em louvor ao Grito do Ipiranga.

A coisa ganhou contornos de provocação entre republicanos e monarquistas. No Fla X Flu pelo controle da memória nacional, os primeiros insistiam em derrubar a estátua equestre do Imperador; os outros ameaçavam fazer um furdunço memorável se a demolição ocorresse. Após muita polêmica, chegou-se a uma solução brasileiríssima: a estátua de D. Pedro I foi mantida e a praça passou mesmo a se chamar Tiradentes.

Rolou, para o bem da nação, uma conciliação de interesses em nome do espírito público.

Experimentem explicar a um turista por que diabos a praça que homenageia o mártir da independência tem uma estátua do neto da velha que mandou executar o homenageado. Sou capaz mesmo de apostar que, numa pesquisa com cem cariocas que cruzem a praça em uma tarde, a maioria vai dizer que a estátua é a de Tiradentes.

Por fim, confesso: a referência emocional (infantil, portanto, que é quando as coisas se consolidam no cabra) que tenho de Tiradentes é a de Francisco Cuoco representando o mártir na novela Saramandaia. Da Inconfidência Mineira e dos ideais republicanos, levo uma lição que tento praticar com sagrada obediência: após um dia intenso de trabalho nos trópicos, há que se tomar civilizadamente umas cervejas geladas quando o sol se põe. É a manjada "liberdade, ainda que à tardinha".

Fonte: Facebook