22.10.18

EU VOTO NA MINHA HISTÓRIA

LUIZ ANTONIO SIMAS -

Não posso fugir da responsabilidade que tenho com a minha história de vida. Ela é minha e dela cuido eu.


Minha avó, a Dona Deda, era mãe de santo, versada nos segredos do xambá, da jurema e da encantaria. Várias amizades minhas em rede social sabem exatamente quem ela foi. Fui, por isso mesmo, batizado nos conformes da curimba. Desde menino sou protegido pelo caboclo Pery e pelo Seu Tranca Rua das Almas. Fui oferecido, quando nasci, aos cuidados da lua velha, num terreiro grande do Jardim Nova Era, em Nova Iguaçu, onde está enterrado meu umbigo.

Minha infância foi assombrada pelo rufar dos tambores brasileiros e pelo alumbramento com os caboclos de pena e os marujos e boiadeiros da minha macaia. Aprendi primeiro a ouvir tambor. Depois, me apaixonei pelas palavras.

Em certa etapa da vida me iniciei no candomblé. Recebi, há dezessete anos, um cargo de grande honraria no Ifá. Sou um babalaô, pai e guardião do segredo, sacerdote de Orunmilá. Isso não me reduz: em meu peito continua batendo a virada miúda, pequenina, dos caboclos do Brasil.

Desde menino conversei com Seu Zé Pilintra; recebi ordens de Seu Tranca Ruas; vi Tupinambá dançar encantado; fui seduzido pela beleza de Mariana; temi a presença de Seu Caveira; cantei a delicadeza da pedrinha miudinha; respeitei o cachimbo velho de Pai Joaquim; me emocionei quando Cambinda estremeceu para segurar o touro bravo e amarrar o bicho no mourão.

Me encantei pela Uiara, reverenciei o caboclo Japetequara - veterano bugre do Humaitá - , fui reverente aos que correram gira pelo norte e me emociono com os santos brasileiros. Meu amor pela minha terra é bonito e dedicado. Vejo o mapa do Brasil no cocar de Sete Flechas e me sinto morador do maior dos mundos: minha casa é o diadema estrelado da sucuri no limiar das luas.

Por tudo isso, essa campanha eleitoral não é corriqueira para mim. Corro gira, tenho responsabilidade com a memória da minha avó e com o futuro do meu filho. Minha percepção do enfrentamento com certo neopentecostalismo do ódio, articulado ao militarismo tacanho, talvez não seja a mesma dos que não saíram do barro que me moldou e não beberam da água que sempre matou a minha sede de encantos.

Não tenho esperança messiânica em um candidato. Eu não tenho exatamente uma cidade a defender e muito menos um projeto político definido a abraçar. Nessa altura do campeonato eu tenho amigos, uma cimitarra, uma cortina de mariô, uma quartinha velha com água fresca, uma pena vermelha de ekodidé, quarenta caroços de dendê, meus assentamentos , meus fios de contas,meus filás, meu abadá, dois retratos da minha iniciação no xambá de Deda, búzios de praia africana, conchas do mar e a memória dos meus avós.

É o suficiente para que eu saiba como me posicionar. É evidente que voto pela democracia. Ganharemos? Perderemos? Perder nunca me fez desistir de luta alguma. Continuaremos, de qualquer maneira.

Não envergonharei a minha linhagem e não decepcionarei o tambor, o país em cujo couro me aconcheguei desde que vi a imensidão do mundo.

*Fonte: Facebook (luiz antonio simas. Ifabiyi)