LUCAS RUBIO - Atualizado às 18h45 -
O dia 8 de setembro foi véspera do grande feriado nacional de Fundação da República Popular Democrática da Coreia, comemorado no dia 9. Na noite do dia anterior, tínhamos recebido a orientação de nos vestirmos com nossas melhores roupas porque visitaríamos o Palácio do Sol Kunsusan, a morada final do Presidente KIM IL SUNG e do Dirigente KIM JONG IL.
Acordamos bem cedo e o sol estava iluminando toda a Pyongyang com uma cor dourada incrível. Após alguns minutos de viagem de ônibus, num lugar um pouco afastado do centro da capital, chegamos em um lugar com jardins imensos. Não poderíamos levar câmeras e fomos desaconselhados a levar qualquer outro tipo de objeto, então eu tinha comigo somente o meu celular.
Silêncio total até mesmo nos jardins distantes da entrada do Palácio. Eu já sabia em que tipo de lugar eu estava e o que ia ver, mas o clima é realmente diferente do que eu tinha experimentado até hoje. Lá fora, no pátio onde pararam os ônibus de várias delegações, formávamos filas perfeitas e os coreanos, com vários papeis nas mãos, pediam que só entrasse, por ordem definida, os membros de uma deleção por vez.
Após passar por uma inspeção rigorosa de segurança, onde até mesmo o menor pedaço de papel no seu bolso é detectado, entramos num imenso corredor que dá acesso ao Palácio. Nesse corredor, você fica naquelas esteiras, típicas de aeroporto, que servem para 'acelerar o passo'. Nas paredes, imensas janelas que dão uma visão celestial para gramados verdes e impecáveis, lagos e belos cisnes brancos bebendo água, voando e brincando... Ao fundo, uma música baixa interminável e em ritmo muito devagar. Era a "Canção ao General KIM JONG IL". Na esteira, feita para andar, ninguém anda. Todos ficam parados, meio extasiados com a situação, com as cenas lindas na janela, com a música, com o rosto sério dos funcionários, todos vestidos de preto. É como estar esperando para entrar no próprio céu.
Não param de chegar coreanos, de todas as idades, para conhecer o Palácio do Sol |
Depois, chega-se a uma sala com guarda-volumes e lá deixo meu celular. Então, lá vêm mais esteiras. Dessa vez, já dentro da construção, as paredes estão decoradas com inúmeros quadros e fotografias que retratam a vida de KIM IL SUNG e KIM JONG IL. Visitas ao estrangeiro, fotos com importantes chefes-de-Estado, inspeções em fábricas, escolas, fazendas.
Você fica praticamente 40 minutos em total silêncio, parado enquanto a esteira te transporta para dentro daquela fortaleza, vendo as fotografias, escutando a música lenta e baixa e vendo os funcionários, aqui também todos de preto, como se ainda guardassem luto. Sua guia fala com você muito baixinho, em sussurro. Você sente uma tristeza que você não consegue evitar ou escapar.
Depois, acabam as esteiras e vamos andando entre as salas imensas do Palácio. Portas com mais de 4 metros de altura. Granito para todos os lados. Quadros, esculturas, bandeiras, fotos. Arte até mesmo em mínimos detalhes.
Após uma breve caminhada, você chega em uma sala muito famosa por ser amplamente noticiada na mídia estatal. Na parede final da sala, duas estátuas de tirar o fôlego. Inacreditáveis. Você perde o ar, sua frio. São estátuas de cera, perfeitas, vivas, reais. KIM IL SUNG e KIM JONG IL diante de você. Sorrindo. Parece até que respiram. Todos na sala se posicionam em uma linha desenhada no chão na frente das estátuas e prestam uma reverência curvando o corpo em sinal de respeito. Não há palavras, só silêncio.
Estátuas perfeitas de KIM IL SUNG e KIM JONG IL (Foto da Agência Central de Notícias da Coreia) |
Dali, saímos e caminhamos para um lugar. Passamos por uma máquina estranha, uma portinha que tem vários ventiladores que, para fins higiênicos, isolam uma antessala. Depois de passar por essa antessala, portas de bronze imensas parcialmente abertas te dão passagem para uma sala.
Você chegou. Uma sala totalmente escura. Granito negro nas paredes, no chão, no teto. Apenas uma luz fraca vermelha nos cantos. Vários guardas do Exército, Marinha e Aeronáutica, com seus belos e impecáveis uniformes, estão de pé, firmes, decididos, guardando um tesouro.
Uma única luz branca ilumina o corpo do Presidente KIM IL SUNG, perfeitamente conservado, no centro da sala. Meu Deus, é KIM IL SUNG diante dos meus olhos. Parece que está dormindo. Uma manta vermelha o cobre até o tronco. Não tenho como descrever o que se passa pela sua cabeça e coração nesse momento. Um momento transcendental. O Líder está diante de você, infelizmente, sem vida. A pessoa a qual eu passei boa parte da minha vida admirando à total distância está na minha frente. A pessoal a qual são dedicadas inúmeras canções, filmes, documentários, estátuas, museus, monumentos, livros. Prestamos reverência três vezes ao redor do corpo.
Dali, saímos para uma sala onde uma guia explica, apontando para um mapa múndi imenso e cheio de linhas de LED, os lugares que KIM IL SUNG visitou durante sua vida. Dentro da sala, um vagão de trem, o vagão pessoal de trabalho de KIM IL SUNG. Sim, um vagão de trem dentro de um Palácio! Não sei como colocaram lá! Depois, algumas salas com todas as condecorações que o Presidente KIM IL SUNG recebeu em vida. Condecorações, homenagens, diplomas, títulos de universidades do mundo todo! Todos os continentes e países que eu nem sabia que existiam homenagearam KIM IL SUNG. Depois, em outras salas, mais alguns objetos pessoais, como carros usados na sua vida. A maioria foram presenteados. Alguns vagões de trem blindados presenteados por Stalin e Mao Zedong. Em uma sala imensa, algo incrível: um avião. Eu não conseguia conceber que estava dentro de um prédio com um avião imenso montado inteiro dentro dele. Não sei como colocaram lá!
Palácio do Sol Kunsusan |
Depois, nos aproximamos de outra portinha com ventiladores potentes. Você, pela segunda vez, sente tudo de novo.
Sala escura, granito negro. Luz vermelha apontando para o céu. Guardas em posição fiel. Uma luz branca no centro da sala. Ali, no centro, como se dormisse calmamente, repousa o corpo do Dirigente Eterno KIM JONG IL. Não há palavras. Eu presenciei, na época de sua morte, a tristeza do povo coreano. Eu vi, pela televisão, as toneladas de mentiras que contavam sobre seus funerais e sobre sua pessoa e seu país. Foi por conta desse fato que eu conheci a Coreia do Norte. Foi por causa do trágico 17 de dezembro de 2011 que eu estava ali agora, olhando diretamente para quem muito me inspira. Prestamos reverência três vezes diante de seu corpo.
Saindo dali, mais um mapa múndi gigantesco, com linhas em LED (dessa vez bem mais modestas) mostrando os lugares do mundo que KIM JONG IL havia visitado. Assim como KIM IL SUNG, uma conta surpreendente de centenas de milhares de quilômetros recorridos durante toda a sua vida dedicada unicamente ao povo.
Ao lado disso, o vagão de trem. Digo aqui "o" vagão de trem porque KIM JONG IL morreu dentro de um vagão de trem. Sim, aquele ali. Você se aproxima das janelas e consegue ver tudo lá dentro como exatamente estava em 17 de dezembro de 2011. Papeis sobre a mesa, caneta aberta, óculos repousando sobre mais alguns papeis, cadeira de lado após o terrível colapso que levou sua vida. Foi dentro desse vagão de trem, que ia para uma inspeção em uma obra, que o General Supremo KIM JONG IL faleceu após ter um colapso nervoso por conta de uma má notícia na construção que ele estava indo.
O mesmo projeto depois disso: salas com condecorações e títulos de homenagem que KIM JONG IL recebeu. Doutor honoris causa em inúmeras universidades, como KIM IL SUNG. Medalhas, colares, roupas tradicionais de vários países da África e Oceania.
Depois, alguns carros, e, pasmem, um barco! Um barco imenso dentro de uma sala, como se estivesse navegando no mar. Os coreanos têm essas coisas - fazem coisas inacreditáveis no quesito apresentações e montagens e não explicam a ninguém como fazem.
Lucas Rubio, ao fundo o Palácio do Sol |
Depois, para sair, você desce imensas escadarias de granito que possuem, no final, uma bandeira vermelha revolucionária cravada na parede ornamentada com brilhantes. Tudo muito, mas muito lindo!
Você, por dentro, devastado. Sem entender o que acabou de ver. É muito emocionante. Para um simples visitante, pode parecer normal ou assustador. Para alguém como eu, que dedico minha existência à essa causa há tempos, é uma mistura de honra, de gratidão, de tristeza e de alegria sem balanço.
Para sair, mais uma vez, o ritual das esteiras. Paredes com fotografias, funcionários de preto e face séria, música ao fundo, pessoas emocionadas voltando da viagem ao "outro mundo". Depois, janelas que dão para os "quadros animados" - os jardins celestiais do Palácio, com colinas, lagos e cisnes alegres. Minha guia me conta, em voz baixa, que no dia em que o Presidente KIM IL SUNG faleceu, todos os cisnes que habitavam a região voaram até o pátio do Palácio e lá ficaram durante horas, como se chorando pela morte do Grande Líder. Por esse fato incomum, o General KIM JONG IL ordenou que se gravassem em pedra esculturas que até hoje decoram os muros do Palácio.
Chegamos então ao fim das esteiras. Pego meu telefone de volta e tento me recuperar. Incrível toda aquela cerimônia repleta de emoção e simbolismo. Cada ato, um ato.
Lá fora, legiões intermináveis de coranos vestidos com suas melhores roupas. Minha guia explica que, por ser véspera de feriado, os coreanos vão ver os seus falecidos Líderes para lhes cumprimentar e agradecer por tudo.
Foi então que tirei as fotografias que ilustram esse álbum. Vejam, que lugar paradisíaco! Jardins incrivelmente belos, um rio que guarda o Palácio e onde vivem belos cisnes. Nos gramados, bebedouros para os pássaros que lá vivem. Foi um dos lugares mais belos que já estive!
Esse Palácio foi construído para ser a sede do governo e de lá o Presidente KIM IL SUNG governava toda a Coreia. Quando ele morreu, o Dirigente KIM JONG IL transformou o Palácio do Sol Kunsusan em um mausoléu e lá pôs importantes objetos que fizeram parte de sua vida. Isso te lembra algo? Quando o próprio Dirigente faleceu, o Marechal KIM JONG UN solicitou que seu corpo fosse também colocado no Palácio do Sol e repetiu o mesmo ritual. O lugar passou por uma grande reforma há alguns anos e foi remodelado por dentro.
De dentro, eu não tenho fotos, por serem proibidas, só tenho relatos. Espero que você um dia possa ir lá também!
Lenan Cunha e Lucas Rubio. Mais fotos desse dia você vê aqui |
Pela tarde, no centro de Pyongyang, participamos do Seminário Internacional da Ideia Juche, que reuniu todas as delegações convidadas para os 70 anos da República. Ouvimos as intervenções e discursos de delegados de vários países e toda a cerimônia foi coberta pela TV Estatal.
Já pela noite, chegamos no hotel de volta. Na hora de ir para o jantar, sou puxado pela minha guia que me avisa que temos que entrar em uma sala reservada. Não entendo nada, pergunto o que é e ela fica quieta.
Lá dentro, vejo todos os chefes de delegação reunidos e um senhor coreano cumprimentando um a um. Era ninguém mais ninguém menos que o Vice-Presidente do Partido do Trabalho da Coreia e Presidente da Associação Coreana de Cientistas Sociais. Quando ele veio me cumprimentar, fiquei nervoso, porque a TV Estatal estava filmando nossa conversa. Quando eu disse que era do Rio de Janeiro, Brasil, ele, que até então estava sendo muito 'diplomático' com os demais, ficou extremamente feliz e surpreso! Ele me disse que já tinha vindo ao Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016 e que tinha amado a cidade! Disse que a RPDC e seu Governo estavam muito felizes em ter um amigo no Rio de Janeiro! Foi muito legal!!! E no dia seguinte, na parada militar, aquele mesmo homem estava do lado do Marechal KIM JONG UN na tribuna! Falei realmente com alguém muito importante!
Depois, fomos todos levados para um salão dentro do hotel que eu nunca estive antes e então participamos de um banquete com o camarada Vice-Presidente do PTC. Após alguns discursos, comemos uma deliciosa comida coreana.
No finalzinho do jantar, do nada, outro guia (a minha não ficou a gente, infelizmente) fala pra gente guardar o celular na bolsa dele, num ritmo meio apressado, assim como todos os outros guias nas outras mesas. Uma apreensão, uma movimentação estranha no lado de fora da sala, todo mundo olhando. Eu juro que, nesse momento, achei que o Supremo Marechal KIM JONG UN estava entrando! Mas não era, infelizmente. Fomos levados de volta para o ônibus, sem explicações, sem nada... A sensação é muito show! O ônibus estava no meio da rua, com motos da polícia fazendo a cobertura. Andando pelo centro de Pyongyang pela noite, chegamos num ginásio. Uma confusão na entrada! Inspeções com detectores de metal, centenas de pessoas entrando ao mesmo tempo. Era um show musical!!!
Apresentação de música e dança do Exército e de bandas pelos 70 anos da República. (Foto da Agência Central de Notícias da Coreia) |
No parte central das cadeiras, uma tribuna especial estava vazia, com alguns funcionários arrumando os últimos detalhes. Eu sentei bem perto dessa tribuna central e imagine o que eu pensei, né? Tinha certeza que o Marechal KIM JONG UN estaria ali presente! Todo mundo olhava fixamente para a tribuna e quando escutávamos qualquer som um pouco mais alto, todo mundo olhava rápido pensando que o Marechal tinha chegado! A apresentação começou e quem entrou para ocupar aquela tribuna foi o grande Kim Yong Nam, o Chefe-de-Estado da República Popular Democrática da Coreia, a segunda pessoa mais importante do governo! Foi muito interessante ver essa lenda viva (lenda mesmo, tem 92 anos e continua na ativa!) bem de perto!
A apresentação musical foi linda e eu também não pude fotografar. Mas foi grandiosa e reuniu os mais importantes artistas musicais da Coreia. Até parte da banda Moranbong estava presente! Teve apresentação de dança também! Por anos eu via esses grandiosos shows só pela internet e agora eu estava ali dentro de um deles! O coral do Exército era incrível!
Chegamos no hotel muito tarde e doidos para descansar porque o dia seguinte era o dia 9 de setembro, o grande dia de feriado, o domingo de parada militar!!!
* Lucas Rubio - Presidente do Centro de Estudos da Política Songun-Brasil, coordenador do Núcleo de Política Internacional da Tribuna da Imprensa Sindical