2.10.18

AS MAZELAS DO SETOR PÚBLICO MANIPULADAS PELA EMOÇÃO NA TV

JOSÉ CARLOS DE ASSIS -


Não se impressione com as dramáticas situações de alguns equipamentos públicos, notadamente escolas e hospitais, expostos com frequência nas telas da tevê público como exemplos de deterioração e de má administração pública: a maior parte é pura manipulação midiática para explorar as reações emocionais das pessoas. Não digo que o fato não existe. Digo que o fato é uma parcela insignificante da realidade social brasileira e um reflexo pouco significativo da infraestrutura social do país.

Pense bem. Temos  dezenas de milhares  de escolas e milhares de hospitais e casas de saúde. Se tudo isso estivesse tão deteriorado como quer a tevê Globo, milhões de pessoas no país estariam morrendo sem qualquer possibilidade de socorro médico e totalmente privados de educação. A realidade não é essa. Diferente é a realidade que a Globo escolhe colocar em sua tela, tomando o particular como sendo o todo. Para dezenas de milhões de telespectadores o Brasil da  Globo acaba sendo o Brasil real.

Tenho dezenas de anos de experiência em órgãos de comunicação de primeira linha, notadamente o velho “Jornal  do Brasil” e a “Folha de S. Paulo”. Sei exatamente como funciona o processo de edição, no qual se inspiraram as televisões. Primeiro busca-se a emoção da notícia, depois seu eventual conteúdo. Se, na relação entre conteúdo e emoção esta última ganha, o conteúdo vai para a lata de lixo. O sistema funciona dessa forma: na quase totalidade do tempo funciona movido pela inovação.

É assim que acontece quando se trata de “cobrir” a realidade hospitalar, por exemplo. Não passa pela cabeça de nenhum editor ou repórter apresentar uma situação normal. Só é notícia quando se pode expor a desgraça, o desconforto e as mazelas hospitalares, extraindo o máximo de emoção dos telespectadores. Ninguém se responsabiliza por apresentar o conjunto da realidade. Por outro lado, como há sempre situações individuais  degradantes, é extremamente fácil apontar essas partes como se fosse o todo.

O caso das escolas ainda é menos exemplar. Precisa-se de uma boa escola? Mostra-se uma da rede privada da classe média, onde os estudantes podem pagar as mensalidades. Ao lado delas, há dezenas de milhares de escolas públicas,  algumas bem equipadas, outras totalmente desaparelhadas. São estas que vão para a televisão, pois do contrário não existe emoção – ou, mais simplificadamente, interesse. O particular é novamente apresentado como o geral, nesse caso com um viés privatista.

Um país com 8,5 milhões de km2, vastas extensões territoriais e uma realidade demográfica diversificada não pode ser tratado como uma república unitária, como a França. Nesse caso, há um processo crescente de uniformização das políticas públicas. Estamos inclinados mais para o lado dos Estados Unidos, embora longe de uma verdadeira federação política. Mas a determinação de ter uma federação não pode se antecipar ao processo real, sobretudo quando temos, como é o caso,  uma tremendo apetite unitário na União.

E o que se faz com o hospital decadente e mal equipado? Faz-se o que se tenta fazer com a corrupção: por a Polícia para investigar. Mas se algum político pretender colocar como pauta de campanha, melhorar ou construir hospitais, vamos saudá-lo. Mas que não faça disso uma manipulação, indicando claramente a necessidade, porque a ação concreta de melhorar ou construir hospitais, sobretudo quando se tratar de deputados federais e senadores, foge de sua órbita. Em verdade, que não junte ao seu discurso oportunista,  o discurso tendencioso da tevê sobre as mazelas hospitalares e escolares do país, sustentados sobretudo pela emoção.