SEBASTIÃO NERY -
Rio de Janeiro – Quando meu saudoso colega e amigo César Mesquita, diretor da Editora Francisco Alves, me telefonou, no dia 15 de outubro de 1974, intimando-me a escrever um livro sobre as eleições de 15 de novembro de 1974, tive medo de mim e do tempo. Ele me disse:
– Nery, temos exatamente sessenta dias para colocá-lo nas bancas. Um mês para você escrever até 15 de novembro e um mês para editarmos.
– Mas, Cesar, o Brasil é muito grande. São 22 Estados. E não o farei sem visitar, pesquisar, testemunhar um a um. E ainda publicar o resultado.
– Vire-se. É preciso guardar para a história a nitidez dos acontecimentos ainda não deformados pelo correr do tempo, nem ao sabor das interpretações. Precisamos dar ao país um livro-documento sobre as eleições de 15 de novembro. Tem que sair até 15 de dezembro.
Sai viajando e escrevendo. Conversando e escrevendo. Documentado e escrevendo. O governo, poderoso e soberbo, achava que a Arena ganharia tudo, porque, em 1970, quase havia eliminado a oposição, a ponto de muita gente do MDB achar que a oposição devia desistir e fechar o MDB.
Mas os povos só conquistam o amanhã quando têm líderes que os ensinam a pensar. Os profetas, os sábios do Oriente, os filósofos gregos, os enciclopedistas, os pais da Independência Americana, os estadistas ingleses e franceses, esses é que plantaram a história com as mãos.
Veneza passou sete séculos sem que os doges pudessem transferir o poder para um herdeiro. Foi a mais longa república democrática da história.
À medida que ia chegando aos maiores Estados fui percebendo que havia uma reação silenciosa na população e o governo podia levar um susto.
E levou. Mais do que um susto, o governo foi literalmente atropelado.
Perdeu em 16 Estados e só ganhou em 6, como contei e documentei no livro que fez tanto sucesso: “As 16 Derrotas Que Abalaram o Brasil”. Dos seis maiores Estados, perdeu em cinco: São Paulo, Minas, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Paraná. E só ganhou em um: Bahia.
No pais, a votação do MDB, somada, foi maior do que a da Arena. Só as vitórias em dez dos onze maiores Estados (São Paulo, Rio Grande do Sul, Guanabara, Minas, Paraná, Pernambuco, Estado do Rio, Goiás, Santa Catarina, Paraíba, menos Bahia) mostraram que, se fosse para a presidência da Republica, a oposição teria feito o Presidente e 16 governadores.
Qual o segredo da campanha e da vitoria? Era duplo. Um, orgulhosa cabeleira grisalha de galã de antigamente. O outro, modestos fiapos de cabelos inteiramente brancos na cabeça nua. Um, mestre da cátedra. O outro, catedrático da política. E aos dois, mais do que a quaisquer outros, o Brasil ficou devendo, em 1974, o reaprender da velha lição, eterna como a humanidade, do poder da palavra.
Ulysses Guimarães e Franco Montoro foram os generais da guerra que a oposição ganhou no país. E brigaram na garganta. Poucas vezes, na história do Brasil, dois homens falaram tanto a tanta gente em tão pouco tempo. Basta pesquisar jornais e revistas do segundo semestre de 1974. Eles estavam lá, dia a dia, indormidos, no plantão da palavra.
Desde o magnífico discurso com que, em 1973, navegando com Fernando Pessoa, iniciou sua campanha de anticandidato à presidência da República, Ulysses Guimarães havia continuado o caminho aberto um ano antes pela bravura de Oscar Pedroso Horta, da volta do bom texto à política brasileira. Na sessão do Congresso que elegeu Geisel, Ulysses de novo despertou o país com um pronunciamento exemplarmente bem escrito.
E poderosamente forte. Não parou mais. Nas TVs ou na imprensa, o presidente da oposição fornecia aos candidatos do MDB uma dose maciça e permanente de idéias e frases que logo eram repetidas em milhares de palanques. E quando a vitória chegou, ele a recebeu lúcido como sempre.
O tom de Franco Montoro era mais ameno, didático. Ensinava:
– Na vida pública, como na ciência, os erros devem ser investigados e não escondidos. Só a crítica pode corrigir as falhas e promover o progresso.
Tudo simples, exato e evidente como a verdade. Por isso seus programas de TV, nos Estados, estouravam índices de audiência:
– Montoro chegou, falou, virou.
Era o poder da palavra que Padre Vieira chamava de sagrado poder.
A oposição, hoje, está perdida como o MDB de 1970. Falta-lhe um Ulysses, um Montoro, que mostre ao pais a verdade escondida nas gavetas dos Mensalões e da corrupção governamental comandada pelo PT. Lula fala com a arrogância e a certeza da impunidade dos generais de 1974.