25.9.18

DIÁRIO DE VIAGEM III: ANDANDO NA NOITE PELAS RUAS DE PYONGYANG - 5 DE SETEMBRO

LUCAS RUBIO -

Entrada para uma passagem subterrânea, que atravessa e liga ruas pela cidade.
Pela noite do dia 5 de setembro, após ter visitado vários museus e monumentos importantes de Pyongyang, eu e meu amigo Lenan resolvemos perguntar para nossa guia se seria possível caminhar pelas ruas algum dia e ela de pronto nos devolveu a pergunta "querem ir agora?", o que nos deixou muito surpresos e alegres. Topamos, óbvio, a proposta e saímos para caminhar pelas ruas de Pyongyang pela noite.

A Coreia do Norte de noite é uma das grandes polêmicas sobre o assunto. Supostas fotos de satélite mostrariam que o país vive uma escuridão total e que até mesmo a capital não tem luz. Vamos agora com calma entender essa delicada questão.

Um exame de vista em uma ótica popular... prevenção e atendimento garantido 
Conversamos sobre isso abertamente com nossa guia que não demonstrou qualquer problema ou insegurança ao abordar o tema. Sim, a Coreia do Norte sofre com problemas de abastecimento de energia por conta de várias limitações geográficas e pelo bloqueio econômico internacional, o que a impossibilita de comprar a energia que faltaria. Por isso, o uso da energia elétrica é extremamente racional. Não quero dizer racional no sentido de que só tem energia por algumas horas, quero dizer racional no sentido INTELIGENTE.

É notável, da nossa janela do hotel, que a capital não tem luzes transbordando em exagero, apenas o necessário. As fachadas dos prédios não recebe luz sobre suas superfícies (apenas por algumas horas), mas é possível ver que dentro dos apartamentos, onde vive o povo, há energia sem problemas. Mas algo é engraçado: de cima, Pyongyang até que parece meio escura, mas quando você vai andar nas ruas, percebe que na verdade há bastante luz! Claro, nós passamos por umas ruas que tinham alguns dos postes sem funcionar naquele momento ou com apenas alguns postes trabalhando de forma intercalada, mas nada que impossibilitasse a circulação de pessoas ou carros.

Apartamentos populares modernos construídos pelo governo e entregues de graça ao povo
Não, a Coreia do Norte não tem geração de energia nuclear, embora o país possua bombas atômicas convencionais e de hidrogênio. Produzir energia através do processo nuclear não é o mesmo caminho de produção de bombas. Minha guia disse que esse é o próximo desafio da Coreia - gerar energia nuclear por meio de sua indústria do ramo.

Agora, voltando mais ao nosso passeio pelas ruas: que agradável! Uma vida agitada para uma noite de quarta-feira, porém muito calma. As calçadas são muito largas e têm ciclovias, então vimos muitas pessoas voltando do trabalho. Os gramados das calçadas são milimetricamente aparados e limpos. Aqui, vale citar uma cena linda que vi, mas, tão rápida, não pude fotografar: um pai ensinando sua filha bebê a andar no gramado da calçada! Ele, de braços abertos, incentivava sua filha com palavras dóceis a andar até seu abraço e a menina, sorrindo para o papai, dava suas primeiras tentativas. Uma coisa que tocou meu coração. Bate um vento fresco, tem música ao fundo, pessoas indo para lá e para cá, uma paz impressionante!


Nos postes e nas entradas de passagens subterrâneas (que são muito mais eficientes que as faixas de pedestres), muitas propagandas e pôsteres de exaltação ao trabalho e ao amor à Pátria.

Nossa guia, muito amavelmente, parou numa pequena lojinha e saiu de lá com picolés para nós. Foi uma das coisas mais deliciosas que já tomei! Os doces na Coreia não têm muito açúcar e você sente realmente o gosto das coisas. Enquanto saboreávamos o sorvete, cenas do cotidiano da vida noturna da Coreia: lojas e mercados, salões de beleza, óticas, bares... Tudo funcionando na mais perfeita ordem!

Do nada, quando chegávamos perto do quarteirão do nosso hotel, começa uma movimentação estranha na rua: fileiras intermináveis de caminhões do Exército começam um desfile quase secreto. Meu coração bate mais rápido e eu pergunto pra guia: vamos ter uma parada militar, não é mesmo??? E ela, querendo guardar surpresa, responde 'não sei ao certo'... Foi um momento mágico!

A fachada do hotel onde o governo me colocou - o Hotel Koryo, o melhor da Coreia
Antes de entrar para dormir, conversamos sobre algumas coisas na calçada, enquanto também observávamos a vida do povo coreano comum. Falamos sobre como a mídia do Brasil mentia sobre a Coreia, especialmente a Globo, falamos de nossas vidas, de como conhecemos a Coreia, o que comíamos no Brasil, o que ouvíamos... E sobre coisas da Coreia.

Por exemplo, na Coreia Popular, o salário mais baixo é de 1.800 wons, o que é mais do que necessário para manter uma vida digna. Para efeito de comparação, o quilo de arroz na Coreia do Norte custa 40 wons apenas. Aliás, o Estado dá, no mesmo dia do pagamento dos funcionários, gêneros alimentícios básicos, o que muitas vezes livra os coreanos da tarefa de fazer compras. Em feriados especiais, o Marechal Kim Jong Un envia, para todas as crianças do país, uma caixa de guloseimas e, para os adultos, alguns produtos especiais como azeite. O horário do início do trabalho geralmente é às 9h, mas os funcionários geralmente chegam às 7h30min para fazer a limpeza do local de trabalho antes do início das atividades: não existe faxineira na Coreia, todos os trabalhadores e estudantes são responsáveis pela limpeza do local de trabalho, da calçada, da fachada...

A rua está molhada: tinha acabado de passar um carro lavando o local
A vida de noite na Coreia é cheia de vida, com pessoas descansando, se descontraindo, respirando ar fresco e se sentindo totalmente seguras, afinal, nem mesmo nas ruas escuras há risco de assalto - esse tipo de crime é praticamente inexistente na Coreia Popular. Vale citar também, mais uma vez, a incrível limpeza e beleza das ruas, até mesmo nos mínimos detalhes: no chão, além de não ter um só lixo, todos os blocos estão no chão e não há buracos. Cuidado e esmero em cada milímetro!

Talvez um dia alcancemos esse nível de civilização!

Que saudades!

* Lucas Rubio - Presidente do Centro de Estudos da Política Songun-Brasil, coordenador do Núcleo de Política Internacional da Tribuna da Imprensa Sindical