JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Não conheço pessoalmente Rodrigo Maia. De longe, vejo-o como uma âncora do neoliberalismo caboclo, na mesma linha que a do pai. Já César Maia, candidato ao Senado, penso conhecer bem. Era do grupo de economistas progressistas que criaram o finado Instituto de Economistas do Rio de Janeiro, de cuja diretoria participamos Pedro Malan e eu. Se Rodrigo pensa ser neoliberal, sem saber muito o que é isso, César Maia está convencido que o neoliberalismo é a salvação do mundo. Por isso, depois do PDT, foi parar no DEM.
Por seu neoliberalismo militante em pleno fracasso mundial dessa alternativa política e econômica, César Maia talvez esteja arrependido de sua opção. Entretanto, não acredito que seja um caráter suficientemente forte para reconhecer isso. Ficará na corda bamba. Ou assumirá uma posição intermediária como aconteceu no episódio que o tornou um dos âncoras do governo Brizola em 1983. Na ocasião, César Maia simplesmente inventou que havia uma conspiração eleitoral contra Brizola montada por uma empresa chamada Proconsult.
Supostamente os conspiradores queriam favorecer Moreira Franco, o candidato oposto. Armou-se um grande escândalo na mídia por causa do episódio. César Maia, como herói do sistema de apuração, teria desmontado a conspiração. Brizola acreditou nisso e, quando assumiu o poder, entregou sua principal secretaria, a Fazenda, a César Maia. Muito hábil, ele se equilibrou no cargo até o fim do Governo sem dar muita satisfação à incoerência posterior de ter sido o esteio do governo socialista de Brizola, e depois liberal.
Nunca contei essa história por escrito, agora vou contar. Eu era repórter da Folha de S. Paulo no Rio. Quando o escândalo estourou, a Folha me mandou apurar o caso. Fiz o óbvio. Procurei quem estava oficialmente apurando as eleições. Havia basicamente três sistemas. O do Jornal do Brasil, o da Rádio Jornal do Brasil, mais simples, e o mais complexo de todos, o do sistema Globo. Todo o problema resultou da incompatibilidade de apuração desses três sistemas. E a razão, como se verá, é espantosamente óbvia.
Tratava-se da primeira grande eleição geral depois da ditadura. Seriam eleitos governador, senadores, deputados federais e deputados estaduais. O boletim de apuração fornecido à imprensa pelo TSE tinha 72 campos para preencher. Com a falta de experiência dos apuradores, instalou-se o caos nas seções eleitorais da capital e cidades vizinhas. Só quem apurava mais depressa eram as seções do interior. No interior, Moreira Franco tinha folgada maioria, mas o interior pesava pouco no conjunto.
Quando os boletins chegaram aos jornais e rádio, vieram primeiro,naturalmente, os do interior dando a vantagem para Moreira. Na medida em que o Globo ficou amarrado burocraticamente a seu sistema de apuração, apurando os boletins inteiros, pareceu que ele estava definitivamente na frente e a eleição estava sendo roubada contra Brizola. Procurei o chefe da reportagem do JB, Heraldo Pereira, e tudo se esclareceu. O sistema de apuração mais ágil do JB e da Rádio JB mandou às favas a totalização dos votos pelo TSE e divulgou apenas os votos para senador e governador, onde Brizola estava na frente.
Escrevi uma matéria a respeito para a Folha mas ela mereceu apenas um registro. Em lugar de esclarecimento, tivemos que nos contentar com a patacoada de César Maia, que apareceu como o grande herói da apuração pró-Brizola. O barulho a respeito foi tão grande que até hoje reverbera nas hostes brizolistas mesmo depois que César Maia a deixou. Pessoalmente, não consegui entender como Moreira Franco, com todo o seu poder econômico e a força da Globo por trás, não conseguiu desmontar essa farsa. Só tiro uma conclusão: o infinito gosto brasileiro por teorias conspiratórias!