JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Como desativar a bomba-relógio do dia 28, quando o ministro Luís Fux, do Supremo Tribunal Federal, vai decidir o conflito entre caminhoneiros e mega-empresários do agro e da indústria relacionado com a tabela de preços mínimos do frete? Quem leu meu artigo anterior sobre o tema sabe que nenhuma solução agrada plenamente a qualquer dos lados. Qualquer solução que agrade os caminhoneiros, mantendo a tabela baixada pelo governo, enfurecerá os empresários; qualquer solução que agrade só os empresários enfurecerá os caminhoneiros.
A solução intermediária, de tipo salomônico, seria reduzir um pouco os preços mínimos do frete, mas não tudo. O ministro Fux, pelo que disse anteriormente, espera a concordância das partes para isso. É uma ilusão. Ele não conhece a realidade nem dos caminhoneiros, nem dos empresários. Eles não fixaram posição por pirraça ou oportunismo. Uns estão na beira da indigência na medida em que os fretes que recebem estão espremidos entre o preço do diesel e as receitas recebidas pelo transporte.
Já os empresários, como já disse antes, estão espremidos entre os altos fretes estabelecidos pelo governo sob pressão dos caminhoneiros e suas margens normais de lucro. Não há mágica que resolva esse impasse. Aliás, há sim: a redução do preço do diesel na refinaria, baixando seus custos para o usuário na bomba. Acontece que isso se revela impossível para o atual governo. Ele está comprometido com o mercado internacional a manter a estúpida política de preços internos dos combustíveis vinculados aos internacionais.
Voltemos ao início: como superar esse impasse? Na medida em que o Executivo e o Judiciário estão totalmente desmoralizados para patrocinar qualquer nova tentativa de negociação, o Congresso, através de uma comissão especial de senadores e deputados, poderia avocar os entendimentos com caminhoneiros e empresários. Para isso, os presidentes Eunício de Oliveira, do Senado, e Rodrigo Maia, da Câmara, poderiam tomar a iniciativa de formar essa comissão, evitando greve, por um lado, e lock out, por outro, ambos dentro do espaço de possibilidades após o dia 28.
Se essa tentativa fracassar, por algum caminho deveria ser articulado um Conselho de Notáveis da sociedade civil para formular uma saída que incorporasse na discussão, além de caminhoneiros e empresários, representantes do povo, que é a principal vítima de um colapso da logística. Essa tentativa simplesmente não pode falhar já que não há instância superior a que recorrer. Portanto, os integrantes da comissão, políticos ou não, devem ser personalidades por todos reconhecidas como absolutamente íntegras e despidas de interesses materiais pessoais.
Não vejo outra instituição de credibilidade nacional que possa assumir a liderança de um Conselho de Notáveis desse tipo que não a CNBB. Foi a CNBB que, junto com a OAB e a ABI, liderou a luta moral pela redemocratização do país pela via das Diretas-Já nos anos 80. Hoje, OAB e ABI, entregues à direita, não tem credibilidade para qualquer ação moral desse tipo. Além disso, a CNBB, com sua vocação ecumênica, poderá trazer para se incorporarem ao Conselho confissões evangélicas de alta credibilidade, como as que estão integradas ao CONIC.
Entretanto, nenhum conselho, independentemente de seu prestígio moral, pode superar a contradição acima observada entre caminhoneiros e empresários, a não ser pela mais simples das medidas: a redução do preço do diesel e dos outros combustíveis na refinaria. Contudo, a odiada política de preços da Petrobrás, que está destruindo a paz no país, a rigor não é da Petrobrás. É de Michel Temer. Prova disso é que o presidente da Petrobrás saiu e a política não mudou. É evidente que Temer não vai mudar a política voluntariamente.
Diante disso – e agora estou no campo das especulações desejosas -, alguém, pelo bem da Pátria, deve sugerir a Temer que renuncie. Pode ser o Conselho. Contudo, o Presidente deverá ter uma compensação pelo seu gesto: no contexto de um grande Pacto Nacional, por um ato jurídico chamado graça, previsto na Constituição, seriam anulados todos os inquérito criminais contra ele e seus principais auxiliares, Moreira Franco e Eliseu Padilha. E para pacificar, no âmbito do Pacto, também o Congresso, seria criminalizado o caixa dois.
Se Temer vier a renunciar, e se ele é beneficiário da graça, será necessário que um sucessor de credibilidade assuma os compromissos em relação a ele e ao caixa dois. Para que a sociedade entenda, fora do ambiente tradicional da intriga da imprensa, o que significa na prática criminalizar o caixa dois convém explicar que, criminalizando-o, só é crime a partir da edição da lei. Tudo para trás é anulado. Aliás, é uma medida profilática: como não é previsto no Código Penal, não há mesmo crime do caixa dois. Só interpretação jurídica.
O ato final dessa grande estratégia seria a eleição de um presidente interino para cumprir o resto de mandato de Dilma. Terá de ser alguém de alta estatura ética, de caráter irrepreensível, sem uma única mancha em sua carreira política. Obviamente que estão fora Rodrigo Maia e Eunício de Oliveira, e, por falta de condições objetivas, Carmem Lúcia. Um projeto de Ronaldo Caiado prevê as condições de eleição pelo Congresso de um presidente e vice-presidente interinos, quando os cargos ficarem vagos. É só adaptá-lo e aproveitá-lo.
Toda essa ginástica política tem que fazer sentido para o povo. Do contrário, soará como uma confusão adicional à crise brasileira. Entretanto, se o Congresso conceder ao Presidente eleito uma Lei Delegada para atacar imediatamente, no prazo de três a seis meses, o problema do desemprego – reduzindo-o, digamos, à metade nesse período -, e mobilizar todas as forças econômicas do país para tirá-lo da depressão em que se encontra, todos rapidamente entenderão. Mesmo porque o ponto de partida é trágico e fácil de ser ultrapassado caso haja vontade política.
Tudo isso, por enquanto uma especulação, pode acontecer no mundo real da política e da economia brasileira. A condição principal é a reconciliação da sociedade consigo mesmo no Pacto Nacional mencionado. Esquerda e direita devem entender que não sairemos do lugar sem alguma forma de pactuação, cedendo nuns pontos e ganhando em outros. Devemos superar insultos como coxinhas e mortadelas. E chamar para o centro de negociação, retirado gloriosamente da cadeia, Luís Inácio Lula da Silva, ao qual o Conselho de Notáveis, com homens como Comparato, Jobim, Lavenère, Moura, Dom Sérgio, Dom Mol, Dom Leonardo, entre outros, talvez venha a aconselhar que, para não dividir ainda mais o Brasil, ele deve se abster de concorrer na eleição deste ano, exercendo aquele ato típico de solidariedade política tão caro ao Papa Francisco.