ANDRÉ BARROS -
Nesta semana, a mídia divulgou uma decisão unânime tomada pela sexta turma do Superior Tribunal de Justiça em Agravo Regimental em Habeas Corpus, da qual destaco alguns títulos retirados do Google: “Carta Capital: Cheiro de maconha permite busca sem mandado em residências?”; “Consultor Jurídico: STJ julga válida busca sem mandado após policiais sentirem cheiro de maconha”; e “Blog do Fausto Macedo do Estadão: STJ não vê ilegalidade em busca residencial após policiais sentirem cheiro de maconha”.
Lendo o venerando acórdão, parece que são manchetes alarmistas, pois o caso é relativo a alguém preso com 667 porções de crack (286,14 g), 1.605 invólucros de maconha (6.731,81 g), 1.244 invólucros de cocaína (1.533,23 g) e 35 frascos de lança-perfume.
O fato julgado causa estranheza. Uma pessoa que é abordada sem documentos, leva os policiais à sua própria casa e eles a invadem porque “sentem cheiro de maconha”. Um dos policiais ainda diz que a entrada foi franqueada. Ao que parece, é mais uma condenação baseada em fatos descritos apenas pelos depoimentos dos policiais. Como alguém com tal quantidade de drogas ilícitas leva para a sua casa, lugar onde está a prova do crime, os agentes que vão lhe prender?
As manchetes estão corretas, pois a questão central é a violação de domicílio, garantia prevista na Constituição no “artigo 5º, inciso XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;”.
Teoricamente, a polícia pode entrar em qualquer domicílio quando estiver ocorrendo um crime. Porém, pela leitura cuidadosa do inciso citado acima, verifica-se que são casos de crime que exigem urgente intervenção para evitar violência ou grave ameaça, situação equiparada a um desastre ou necessidade de socorro imediato.
Somente casos absolutamente urgentes, necessários e embasados justificam o risco de ferir a garantia fundamental da inviolabilidade do domicílio. No tráfico de drogas, seria necessário fazer uma campana para se ter certeza de que o crime está acontecendo. Seria prudente cercar a casa e buscar um mandado judicial para penetrar ao dia. Relativizar essa situação é temerário. Pois, assim, a polícia poderia entrar na casa de qualquer pessoa que estivesse fumando maconha e forjar drogas até para justificar o crime de invasão de domicílio e abuso de autoridade por eles praticados.
Os policiais também poderiam estar fazendo um péssimo trabalho, até de forma propositada, para não pegar um milionário do tráfico e fazer da operação uma farsa. Poderiam estar atrapalhando uma ação controlada pela polícia, que deve retardar a intervenção para que se concretize em momento mais eficaz, como está previsto no artigo 8º da Lei nº 1.2850/2013, a Lei das Organizações Criminosas.
Trata-se de decisão perigosa, que coloca em risco as moradias de milhões de pessoas que apreciam a planta e compromete a formação de uma polícia democrática e o próprio Estado de Direito.
* André Barros é advogado da Marcha da Maconha, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, terceiro suplente de Deputado Estadual pelo PSOL-RJ e colaborador da TRIBUNA DA IMPRENSA Sindical.