Por HERMES FERNANDES - Via DCM -
Que pastor midiático esperaria que seu rebanho virasse as
costas e deixasse o templo no momento em que seu púlpito fosse
entregue a um procurador responsável pela Lava Jato?
Pois isso ocorreu em agosto passado na igreja da Lagoinha, em
Belo Horizonte, no “culto fé” dirigido pelo pastor e cantor André Valadão.
Enquanto Dallagnol falava, apresentando um powerpoint,
as pessoas começaram a sair do templo, esvaziando o local. Na semana seguinte, Valadão fez críticas ácidas aos
frequentadores. O vídeo viralizou apenas esta semana, misteriosamente.
Segue abaixo o desabafo de Valadão seguido de meu
parecer sobre o episódio:
Antes de tudo, deixo claro que reconheço o constrangimento
passado por Valadão. Talvez não tenha sido maior do que o meu quando me neguei
a ceder meu púlpito ao deputado Eduardo Cunha numa visita surpresa que fez à
nossa igreja tempos atrás.
Dada a insistência de um de nossos membros que o estava
assessorando, permiti, com muita relutância, que ele apenas saudasse a
audiência. Confesso que meu arrependimento foi imediato, mesmo que ele ainda
não estivesse envolvido nos escândalos de corrupção que estourariam
posteriormente. Foi a última vez em que recebi um político em nossa igreja. Lá
se vão uns dez anos.
Apesar de entender seu constrangimento, não o considero uma
boa justificativa para ser tão deselegante com o seu próprio povo. Nenhuma
autoridade, por maior e mais importante que seja, merece isso. Se o tal
procurador tem feito algo de bom pelo país nos últimos dias, aquele povo tem
sustentado seu ministério por 16 anos.
Creio que a atitude das pessoas que deram as costas no
momento em que Delton Dallagnol assumiu o microfone deve ser levada a
sério, não como um desrespeito, mas, quiçá, uma demonstração de
conscientização. Em tempos de mídias sociais, as pessoas estão cada vez mais
informadas, assumindo posturas que nem sempre convergem com a de seus líderes.
Qualquer pastor ou líder religioso deveria pensar duas vezes
antes de franquear seu púlpito a um político. No caso de Dallagnol, ele não é
bem o que poderíamos chamar de político, mas sua atuação, bem como a de seus
pares (inclusive a do juiz Sérgio Moro) tem se revelado cada vez mais política
(alguém ainda duvida disso?).
Algumas coisas na fala de Valadão me provocaram reações
adversas. Por exemplo: dizer que jamais aquela igreja havia recebido alguém tão
importante quanto Dallagnol. Nem é preciso estar tão familiarizado com os
ensinamentos de Jesus para perceber o quão distante isso está no espírito do
evangelho. Repare no que o mestre nazareno diz aos seus discípulos:
“E houve também entre eles contenda, sobre qual deles parecia ser o
maior. E ele lhes disse: Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os que têm
autoridade sobre eles são chamados benfeitores. Mas não sereis vós assim; antes
o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve.” Lucas
22:24-26
Um procurador da república nada mais é do que um servidor
público. Suas credenciais não o tornam melhor do que qualquer cidadão comum.
Veja que não era a primeira vez que esta questão surgia entre
os discípulos (e pelo jeito, está longe de ser a última). Capítulos antes,
lemos que “suscitou-se
entre eles uma discussão sobre qual deles seria o maior. Mas Jesus, vendo o
pensamento de seus corações, tomou um menino, pô-lo junto a si, e disse-lhes:
Qualquer que receber este menino em meu nome, recebe-me a mim; e qualquer que
me receber a mim, recebe o que me enviou; porque aquele que entre vós todos for
o menor, esse mesmo será grande” (Lucas 9:46-48).
O fato de ter estudado em Harvard não constitui ninguém mais
importante que os demais. Nem mesmo o fato de ser considerado um benfeitor do
povo. A graça preconizada no Evangelho nos nivela a todos. Entre
nós, Dallagnol não é mais importante que uma empregada doméstica ou um
porteiro de um prédio qualquer.
Quanto ao restante de sua fala, tenho a impressão de que
André Valadão fez uma crítica ao seu próprio ministério, bem como ao de sua
irmã, a cantora e pastora Ana Paula Valadão, com sua mania de espiritualizar
tudo, colocando tudo na conta dos principados e potestades de plantão (termos
relacionados a entidades malignas que seriam responsáveis pelos males que
assolam a humanidade).
Tantas “palavras proféticas” já foram liberadas daquele
“altar”. Sem contar os “atos proféticos” (ou seriam patéticos?). Pena que as
pessoas tenham memória tão curta.
O que a igreja precisa não é de heróis, salvadores da pátria,
“referências de Deus” como disse Valadão. A igreja precisa é de consciência
política.
Espero, sinceramente, que o ocorrido na Lagoinha seja um
precedente que leve os líderes a colocarem suas barbas de molho e a desistirem
de manipular politicamente seus rebanhos.