JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Um presidente da República que mente descaradamente sobre malas de dinheiro e pratica na tevê obstrução de justiça diante de milhões de brasileiros, para escapar da cadeia, não pode ser levado a sério quando aponta a eliminação de privilégios como principal objetivo da reforma da Previdência. Antes ele mentia sobre o déficit previdenciário, que a CPI da Previdência, de forma inequívoca, demonstrou não existir. Agora a técnica nazista de repetir a mentira à exaustão para ser tomada como verdade recai sobre privilégios do servidor público.
Há privilégios no sistema de remuneração do setor público, inclusive violando a Constituição Contudo, nem um único desses privilégios seria extinto com a aprovação da versão atual da reforma. Além disso, como tem sido demonstrado por vários especialistas – cito especialmente os professores Denise Gentil e Aldemaro Araújo Castro - , legislações anteriores já procuraram uniformizar as previdências do setor público e do setor privado e estão em vigência. Então, o que realmente Temer e sua quadrilha querem?
O principal objetivo é empurrar trabalhadores dos setores público e privado, com remuneração acima de R$ 5 578 (o teto previdenciário), para a garganta insaciável da previdência complementar comandada pelos bancos privados. Já controlando grande parte da previdência privada aberta no país, os bancos vêem, no governo Temer, uma oportunidade única de assaltar também a previdência complementar, muitíssimo mais rentável e segura, para que estabeleçam outra plataforma de escravização da sociedade brasileira.
Se fizerem uma conta simples verão que a reforma Temer assegura uma torrente de bilhões de reais, ininterruptamente, para o sistema bancário, inicialmente sem encargos efetivos na prática. Lá na frente, quando algumas dessas seguradoras estourarem por força de fraudes e má gestão, adota-se a solução chilena: o governo, que promoveu a privatização do setor, socializa os prejuízos para garantir os filiados . Isso já aconteceu também com previdência complementar aberta no Brasil, como foi no caso da antiga Capemi.
Nenhum sistema previdenciário complementar será seguro enquanto for comandado pelo oligopólio bancário que cobra do povo e de empresários as taxas de juros mais extravagantes do mundo. Essas taxas serão inexoravelmente transferidas às seguradoras na forma de taxas de carregamento, ou seja, como margem cobrada sobre as aplicações individuais para a gestão do sistema. Acaso há alguma dúvida de que teremos as maiores taxas de carregamento do mundo, tornando o sistema extremamente vulnerável à quebra?
Fui assessor do ministro Raphael de Almeida Magalhães na Previdência, na época da Constituinte, e partilhávamos a opinião que o sistema previdenciário deveria ser unificado, sob condição, para o setor público, que se criasse um sistema de previdência complementar também público. Isso chegou a ser estabelecido em lei, mas nunca implementado. Agora, ninguém fala no assunto na medida em que, se for montado um sistema previdenciário complementar público, certamente não haverá espaço para o setor privado especular.
Anos depois revi minha opinião. Acho que um sistema previdenciário próprio para servidores concursados que não podem ter outras receitas regulares de trabalho se justifica como princípio da democracia. A remuneração do servidor público (magistrado) foi instituída em Atenas por Péricles sob o argumento de que, do contrário, só os ricos poderiam exercer cargos públicos. Deve haver algum equilíbrio num ponto intermediário, pois a sociedade não aceita os privilégios corporativos dos servidores públicos no Judiciário, no Ministério Público e nos altos escalões do Legislativo, num país ainda pobre. Esse ponto de equilíbrio deve ser buscado por um futuro governo justo, mas não é do tipo que Temer quer.